Artigo publicado originalmente no anuário impresso ArqSC 9ª edição.
O conceito de qualificar um espaço público ao aprimorar ambientes que conectem pessoas não deveria suscitar desconfianças ou receios. Porém, experiências específicas de áreas que observaram o custo de vida aumentar após a sua revitalização vêm gerando contradições. Esta ação foi chamada de gentrificação e vem assombrando, tanto a população como os planejadores.
A palavra gentrificação pode ser entendida como o processo de melhoramento e consequente valorização do local, resultando em uma expulsão dos antigos moradores e a inserção de grupos com poder aquisitivo mais alto. O termo, do inglês gentrification, é derivado de um neologismo criado pela socióloga britânica Ruth Glass em 1963, em um artigo onde falava sobre as mudanças urbanas em Londres. Ela se referia ao “aburguesamento” do centro da cidade, usando o termo irônico “gentry” (berço de ouro), como consequência da ocupação em bairros operários por classes de poder aquisitivo mais alto.
A gentrificação ocorre, em maior ou menor força, em diversas cidades. Possivelmente, se você mora em uma cidade de porte médio ou grande, onde ocorreram revitalizações, já deve ter ouvido falar sobre ela. Evidentemente que alguns exemplos são mais paradigmáticos, por sua escala, força de abrangência, contexto histórico, etc. Um dos exemplos estudados por diversos acadêmicos em relação ao enobrecimento da área é Puerto Madero, intervenção nas margens do rio Dique e Darsena Sur na cidade de Buenos Aires.
A área que contempla 16 docas foi construída em 1887 para satisfazer um modelo agroexportador. Com o tempo o local tornou-se obsoleto, se degradando. Com a Operação Urbana Puerto Madero, aumentou-se o potencial construtivo da área, valorizando-a (Figura 01). Muitas empresas e comércios mudaram-se para o local. Também utilizou-se de uma estratégia muito conhecida no planejamento estratégico: inserir obras de arquitetos famosos para maior divulgação da intervenção realizada. No caso de Buenos Aires, foi convidado o arquiteto Santiago Calatrava para realizar uma ponte móvel na área (Figura 02).
Existe um dilema quando se fala sobre o tema: se a área permanecer degradada é ruim para os habitantes que nela residem, mas se houver a revitalização e acontecer a gentrificação, é também prejudicial para a população. A pergunta que muitas pessoas refletem é se devemos nos preocupar com ela e a resposta é relativa. Como dito acima, esse é um processo inerente da valorização imobiliária decorrente da revitalização de uma área. Estamos em uma Sociedade Pós-industrial, onde as relações de demanda e oferta regem o desenvolvimento urbano. No entanto, a forma com que ela acontece pode gerar uma fragilidade ou uma potencialidade para o local.
Se a gentrificação for diminuta, processo natural de qualquer revitalização, ela pode ser benéfica para a população ou pelo menos, não comprometer os habitantes do local. Estudos recentes realizados nos Estados Unidos apontaram que moradores antigos de bairros gentrificados não foram “expulsos” por conta da valorização imobiliária e conseguiram ampliar suas rendas.
No entanto, se existir uma falta de equilíbrio entre as forças do projeto, do setor imobiliário e da vida da população, os resultados podem ser insatisfatórios. Um exemplo paradigmático é a Operação Urbana Nova Luz. O projeto realizado para o quadrilátero inserido na área da Luz em São Paulo, onde a cracolândia também está inserida, não levou em consideração a dinâmica que ocorre no local (Figura 3). Desconsiderou os comerciantes e também a Zona Especial de Interesse Social que ali incidia pelo Plano Diretor. O projeto de alto impacto visava a mudança de perfil socio-econômico daquela região, resultando em um projeto desenvolvido para o setor privado e com um número altíssimo de demolições. Pelos protestos da população (que geraram diversos processos contra a operação urbana) e pela falta de interesse do setor privado, as obras estão paralisadas.
Portanto, é importante ressaltar que a maioria das revitalizações podem resultar na alteração da dinâmica da área e na possível valorização, no entanto, o importante é verificar como o projeto está sendo realizado para que ele se adeque a cultura local, no sentido de harmonizar-se com a região. O arquiteto e urbanista deve ter a delicadeza para entender o objeto que está intervindo para adequá-lo da melhor maneira possível equilibrando as forças e interesses muitas vezes contrastantes do poder público, setor privado e população.
Geise Brizotti Pasquotto – prof. Dra na Universidade Paulista e professora convidada da Universidade São Francisco. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em planejamento estratégico e marketing urbano.
Artigo publicado originalmente no anuário impresso ArqSC 9ª edição. Reprodução somente citando a fonte e nome da autora.