A arquiteta Maria Pilar Arantes atualmente mora na Espanha onde cursa História da Arte. A partir deste artigo, ela passará a escrever para o portal, apontando seu olhar para o país. Pilar é pós-graduada em Arquitetura e História das Cidades pela Universidade Federal de Santa Catarina e fundadora e diretora do Centro de Artes e Design (www.artesedesign.com.br), um centro de pesquisa, formação e difusão do design de interiores e das artes, em cujos cursos já se formaram, desde 1999, mais de 5 mil pessoas. É escritora e registra suas viagens por meio de fotografias. Acesse o site Centro de Artes e Design.
UM BREVE PANORAMA SOBRE A ESPANHA; e EL ROC DE SANT GAIETÀ – pueblo catalão
Neste primeiro artigo eu gostaria de apresentar um breve panorama sobre a Espanha, para quem ainda não a conhece bem. Sua localização geográfica, as comunidades autônomas, um pouquinho sobre a diversidade de línguas e clima, além de uma breve (muito breve mesmo) história deste fascinante país. Assim, nos artigos posteriores será mais fácil localizar-se pelo território espanhol e compreender melhor sua arquitetura e arte que são riquíssimas. E na sequência apresento um povoado localizado na Catalunha que nos permite ver num só passeio vários estilos arquitetônicos presentes na Espanha.
A Espanha é um país membro da Unión Europea (UE), localizado na península ibérica, e que atualmente conta com 46,56 milhões de habitantes distribuídos em 505.370 km2 (o Brasil tem 8.515.770 km2 e 210 milhões de habitantes – cabem 16,5 espanhas dentro do Brasil).
Administrativamente, a Espanha está dividida em 17 estados que gozam de certa autonomia legislativa com representantes próprios. São as Comunidades Autônomas (C.A.), cada uma com sua capital. (figura 1)
Na Espanha são faladas várias línguas, e somente por este dado já podemos imaginar a diversidade cultural que pulsa nesta terra em diferentes regiões; e são elas: o catalão, castellano, aragonês, asturiano, galego, euskera (vasco), aranês (occitano), e o português (en Olivença). Cada região acabou por desenvolver características culturais muito próprias, apresentando tradições deliciosas de se conhecer que vão desde as roupas, as danças, a gastronomia, os festivais e hábitos interessantes.
São quatro os climas da Espanha, e que garantem todo tipo de paisagem possível dentro do hemisfério norte: o mediterrâneo (e o mediterrâneo continental), o atlântico, o de montanha e o subtropical. Tudo isso proporciona grande variedade de paisagens desde a quase desértica (com muitos cactos e plantas de deserto, por exemplo), até a paisagem de montanha onde há abundante neve. O subtropical, onde se encontram as Ilhas Canárias (grande destino turístico de luxo) tem temperatura média anual de 15o C. Na costa norte (Cantábria) estão os maiores sítios arqueológicos pré-históricos (um deles as Covas de Altamira) e possui temperaturas mais frescas e bastante chuva durante o ano. Enfim, abundante arte e natureza.
A Espanha passou por muitos dos períodos históricos que conhecemos nas artes. A riqueza cultural deste país é imensa, e para felicidade mundial há muitos monumentos bem preservados e abertos à visitação. Aula de história da arte ao ar livre é o que não falta! Se fizermos um brevíssimo resumo da história desde os primeiros achados que indicassem a presença dos primeiros humanos na península ibérica, teremos um rico panorama em arquitetura e arte.
A arte pré-histórica conta com incríveis sítios arqueológicos com arte parietal em covas e no exterior, como por exemplo as Covas de Altamira, que datam de desde 40.000 a.C. até 12.500 a.C. . Encontra-se arte fenícia, grega e cartaginesa datadas por volta de VII a.C.. O império romano teve impressionante presença nessas terras e até hoje existem monumentos históricos incríveis como o circo e anfiteatro romanos em Tarragona (na Cataluña), colunatas inteiras, avenidas, dentre outros. Ainda antes da conquista de muitos territórios pelos árabes, a arte paleocristã deixou suas marcas junto com a arte visigoda que trouxe elementos da arte bizantina do oriente e fundiu-se com a arquitetura e arte dos romanos.
Com a invasão árabe no século VIII a Espanha conheceu uma nova arte que marcou definitivamente a arquitetura e a cultura em geral: a arte islâmica. Das situações políticas que se criaram, também novas terminologias surgiram para denominar as populações que estavam sob domínio ou vivendo em território dominado pelos islâmicos ou em território cristão. A arte mozárabe foi aquela desenvolvida por cristãos que viviam em territórios conquistados pelos muçulmanos. A arte mudejar é o oposto, pois foi a arte desenvolvida por muçulmanos vivendo sob o domínio cristão.
A igreja católica sempre teve muita influência na península ibérica, e a quantidade de igrejas e monastérios é impressionante. Os mais marcantes são os de estilo românico e estilo gótico, e há monumentos muito bem preservados e ainda em uso, proporcionando um deleite para os olhos e a alma.
A Espanha também viveu o apogeu do Renascimento, a êxtase do Barroco e a pujança do Neoclassicismo, além de todos os outro “neos” – neogótico, neobarroco, etc.
Os séculos XIX e XX foram riquíssimos em arte originalmente espanhola. Grandes arquitetos deram forma a um estilo que se desenvolveu em várias regiões da Espanha, mas que teve todo um encanto e força especiais na Cataluña com o trabalho de alguns arquitetos geniais como Lluís Domènech i Montaner, Josep Jujol, Gaudí, Josep Puig i Cadafalch, dentre outros. Foi o modernismo e o noucentismo catalão.
Os movimentos artísticos modernos desde meados do século XX em diante também encontraram grande força neste país onde existem construções impressionantes com a mais avançada tecnologia em construção e materiais, além da estética super ousada e inovadora. Lembrem-se que são espanhóis Picasso, Miró, e tantos outros.
As cidades que possuem menos de 20.000 habitantes são consideradas pueblos. Na prática isso significa uma outra categoria em termos políticos e principalmente em isenção de alguns impostos. E culturalmente posso garantir que o sentido de pertencimento é muito forte. Basta ouvir um espanhol dizer “mi pueblo” para perceber o sentimento cívico que provoca.
A Espanha passou por muitos conflitos bélico e por uma ditadura que durou de 1939 até 1975. Dentre os conflitos mais recentes, a Guerra Civil Espanhola foi uma das que deixou mais marcas tanto na arquitetura (com a destruição de muitos monumentos e edifícios históricos), quanto no coração dos espanhóis que até hoje lutam contra uma divisão política que se instaurou no país. O famoso quadro de Picasso “Guernica” foi uma denúncia, uma raridade documentada sobre o massacre causado pelas forças nazistas em aliança com o ditador espanhol Franco ocorrido na noite de 26 de abril de 1937 na cidade de Guernica, que está localizada na Comunidade Autônoma Pais Vasco.
EL ROC DE SANT GAIETÀ
Para exemplificar o apreço que o espanhol tem pelas variedades estilística encontradas pelo país, apresento um pequeno bairro da cidade Roda de Bará (em catalão Roda de Berà) que é o resultado de uma reformulação urbanística realizada entre os anos de 1964 e 1972 daquela região onde antes havia uma vila de pescadores: El Roc de Sant Gaietà. A construção foi promovida por empresários e arquitetos proeminentes da região que quiseram reproduzir edifícios com fachadas nos estilos antigos mais famosos: o românico, o gótico e o mudejar. Além disso, imitaram cantos típicos de alguns lugares da Espanha como o encantador pátio andaluz. As construções não têm valor histórico, mas representam uma oportunidade muito agradável de se contemplar de perto as características mais marcantes daqueles estilos num só lugar, além de proporcionar uma vista maravilhosa para o Mar Mediterrâneo, uma vez que esta urbanização foi construída sobre rochas à beira mar (daí o nome Roc). Nos dias quentes se pode desfrutar de deliciosos sorvetes artesanais disponíveis entre as mais famosas e premiadas sorveterias catalãs que estão ali situadas.
O estilo Mudejar é o que foi desenvolvido na época em que a Espanha tomava novamente seu território dominado pelos árabes após sangrentas batalhas travadas por muito tempo entre os séculos VIII e IX d.C.. Entre os séculos XII e XVI os árabes obrigados a trabalhar para os reis cristãos aplicavam nas construções traços de sua arte, motivo pelo qual foram introduzidos na arquitetura elementos marcantes como os azulejos decorados ricamente, o tijolo a vista, o arco em forma de ferradura emoldurado com tijolos ou pintura em vermelho e branco (figura 4).
O estilo Românico (originalmente entre séculos XI e XIII) também aparece em edificações em detalhes como portadas com arco pleno com várias arquivoltas e colunas com terminações em capitéis que contém desenhos figurativos, vegetais ou geométricos (figura 5).
O estilo Gótico (originalmente em Espanha entre séculos XII e XV) está presente em detalhes como o arco ogival, as rosáceas aplicadas em fachadas ou molduras de janelas (figura 6).
Por fim, a reprodução do Pátio Andaluz. A Comunidade Autônoma da Andaluzia é uma das mais importantes em termos de registro da presença árabe. Inclusive, o nome Andaluzia provém do termo árabe al-Ándalus para designar as regiões dominadas pelo governo islâmico entre os séculos VIII e XIV.
O Pátio Andaluz é um espaço formado pela configuração arquitetônica da edificação que se fecha na forma quadrada, formando uma área interna que normalmente é ricamente adornada com azulejos, fontes de água e lindo paisagismo no qual não pode faltar a rosa vermelha (que normalmente vemos na indumentária espanhola folclórica e como adorno de cabelo das dançarinas de flamenco).
Passear por El Roc de Sant Gaietà é uma delícia. Deleite para os olhos, um pouquinho de história da arte e exercício de percepção do belo são imprescindíveis para superar o impacto visual negativo que encontramos em muitas cidades contemporâneas, inclusive na Espanha. Temos que buscar alimentar nosso olhar e nossa alma de coisas belas para reforçar nosso sistema imunológico contra o desânimo e contra a falta de criatividade que às vezes nos abate. A Espanha é um prato tão cheio e rico quanto a paella tão famosa que prepara: cheia de surpresas e de história que saciam a fome da alma por arte.
Fontes das figuras:
Figura 1: https://www.pequeocio.com/mapa-de-espana/
Figuras 2 a 10: fotografias de Maria Pilar Arantes