Gottfried Böhm é um arquiteto alemão que recebeu o Prêmio Pritzker no ano de 1986. Seu pai, Dominikus Böhm e seu avô Alois Böhm foram arquitetos, assim como três de seus filhos, entre eles, Peter Böhm. Poucos sabem que ele construiu duas obras no Brasil, em Brusque e Blumenau, duas cidades com enorme influência alemã na cultura. O fotógrafo Ronaldo Azambuja compartilhou o ensaio da Igreja Matriz São Luiz Gonzaga, em Brusque. O texto foi escrito por Angelina Wittmann, arquiteta e pesquisadora – texto e fotos publicados no Archdaily.
A Igreja Matriz São Luiz Gonzaga, localizada na cidade de Brusque, apresenta uma arquitetura de destaque na paisagem da cidade, com conceito semelhante a Catedral São Paulo Apóstolo, em Blumenau, ambas em Santa Catarina. Os dois projetos foram criados no escritório de arquitetura da Alemanha, de uma família de arquitetos onde trabalhavam Dominikus Böhm, pai de Gottfried Böhm, autor do projeto da igreja de Brusque.
Dominikus Böhm foi referência na Europa como arquiteto de projetos de igrejas, construindo a primeira nos anos de 1910. Sob a indicação do Papa Pio XI, foi apresentado à Ordem Franciscana de Blumenau para fazer o projeto da nova igreja da cidade, que não chegou a ver concluída – faleceu antes de sua inauguração, em 1954. Seu filho deu sequência ao trabalho e, ainda, foi convidado para fazer o projeto da igreja de Brusque, em 1953. É impossível falar da obra de Brusque sem falar dos dois arquitetos Böhm, pai e filho.
Gottfried Böhm nasceu na cidade de Offenbach – Hessen no dia 23 de janeiro de 1920. Além de seu pai Dominikus Böhm, também seu avô Alois Böhm foi arquiteto. Formou-se arquiteto em 1947 e começou a trabalhar no escritório de seu pai. Em 1951, viajou para Nova York, onde trabalhou durante seis meses no escritório do arquiteto Caetano Baumann e depois, continuou a trabalhar no escritório de arquitetura da família.
Foi considerado expressionista e pós-bauhaus, apesar de preferir se definir como contribuinte para a transição entre o antigo e o novo. Denominava-se o arquiteto que cria “conexões” entre o passado e o futuro, entre o mundo das ideias e o mundo físico, entre os edifícios e seu entorno urbano, características presentes na Igreja Matriz de Brusque.
Igreja Matriz São Luiz Gonzaga
A igreja projetada por Gottfried Böhm, em Brusque, foi o terceiro templo a ocupar o terreno de topografia acidentada provido de um desnível de mais de 20 metros. Após a visita ao local, em 1953, o projeto foi desenvolvido na Alemanha. Em uma entrevista, o arquiteto lamentou não ter podido acompanhar a execução. “É muito complicado fazer algo bem feito quando não se faz o acompanhamento frequente, como aconteceu em Brusque, e infelizmente nem tudo ficou como deveria ter sido. No entanto, ela também possui uma situação privilegiada com sua imponente escadaria”. Gottfried Böhm: (NOLL,2014).
Para locar a igreja no terreno, foi necessário fazer uma terraplanagem e aterro, criando um platô. A pedra fundamental foi lançada em 1955 com uma grande festa popular, e, em 1962, iniciaram as celebrações das missas em seu espaço.
O volume da igreja projetada cobriu as escadarias de acesso, criando um monumental portal. As cores escolhidas e adotadas criaram uma monocromia que reporta à arquitetura moderna. São cores com origem nos materiais usados e elementos que compõem a arquitetura como piso, aberturas, fechamento e teto. O tom cinza surgiu pelo uso dos blocos de granito cinza extraídos da região.
Enquanto o espaço interno da igreja reporta a uma “caverna”, negando o externo através das fechadas e grossas paredes de pedras quase desprovidas de aberturas, seu teto recebe um “rendilhado” que permite a entrada da luz por meio de panos de vidro, tornando-a indireta, compondo com uma fina capa de concreto que “movimenta” em curvas.
Expressionismo alemão
As obras de Dominikus e Gottfried são volumes resultantes de composições simples e proporcionais a partir do uso de pedras, tijolos e concreto armado, apresentados em seu estado aparente. O resultado espacial e arquitetônico interage com o terreno e com o entorno imediato, aproximando os arquitetos do expressionismo alemão. A produção de Dominikus entre os anos de 1920 e 1930 fez com que seu nome estivesse entre os principais expressionistas desse período, na Alemanha, berço de inúmeros nomes relevante da arquitetura moderna mundial.
As composições expressionistas também são caracterizadas pela presença de materiais rústicos sob o efeito da luz, exaltando uma certa dramacidade. Gottfried segue a linguagem expressionista, contudo, este atentará a experimentações formais mais intensas – dotando sua obra com características também da corrente brutalista – visíveis na obra de Brusque e na apropriação da topografia do terreno pela arquitetura. Além do uso do efeito da luz na arquitetura, o brutalismo faz uso da topografia como um elemento que contribui na composição final, constituindo simultaneamente arquitetura e paisagem.
Gottfried, através da topografia do terreno, materializou a forma das escadarias e, também, induziu a formação do átrio de entrada com o grandíssimo pé direito. O interior da igreja foi sobriamente decorado e sem acabamentos característicos nos tradicionais templos religiosos. São superfícies de fechamentos feitos de pedras cinzas e concreto aparente – compondo com a presença dos cobogós que lembram escamas de peixes numa referência aos símbolos do cristianismo. Além desse elemento, os vitrais também são outros símbolos do cristianismo como peixe, uva, cruz e o ramo de trigo.
Nas paredes adjacentes ao altar, o pano de vitrais se estende até o chão, iluminando esta parte interior da igreja com maior intensidade.
Linguagem vernacular gótica e românica
O Movimento Moderno foi um movimento “eclético” que adotou o uso de novos materiais e tecnologias de maneira arrojada. Diante de grandes desafios políticos, sociais e econômicos nas cidades no início do século XX, houve interpretações de elementos vernaculares de outras culturas e épocas passando pela arquitetura da era da máquina.
A arquitetura de Gottfried Böhm, sob os enfoques expressionista e brutalista, transmite sensações visuais aliadas a surpresa do observador, criando uma arquitetura alternativa ao racionalismo, às perfeitas fachadas lisas e rebocadas a partir de um experimento de novos materiais.
Espacialmente a Igreja Matriz São Luiz Gonzaga apresenta uma planta que lembra a planta da basílica romana – edifício grande, geralmente composto por uma nave central, duas colaterais e uma ou mais absides. A Igreja Matriz possui duas fileiras de pilares demarcando a nave principal, alusão a nave tripartida e as lajes levemente abobadas, concebida originalmente em concreto aparente – influência de Dominikus que utilizava concreto aparente em projetos da década de 1920, bem antes desse material ganhar espaço na arquitetura religiosa e na arquitetura em geral, principalmente a partir dos anos de 1960.
Uma forte característica dos projetos dos arquitetos Böhm, incomum na Arquitetura Moderna sob o aspecto espacial, foi a adoção da linguagem vernacular gótica e românica. Apesar de fazer uso de materiais e técnicas construtivas modernistas, as igrejas de Brusque e de Blumenau, apresentam características espaciais e elementos da arquitetura gótica, como o verticalismo, a monumentalidade, o arco botante representado nos elementos externos que seguram as grandes e altas paredes, as abóbodas, os vitrais, a simetria, entre outros.
A Igreja Matriz São Luiz Gonzaga permite-nos a percepção de uma dramacidade que envolve o homem dentro de um ambiente criado para refletir o sagrado em sua forma mais simples mediante o uso de materiais. A riqueza reside na disposição dos pequenos elementos multicoloridos, como vitrais que filtram a luz e junto com as pesadas paredes de pedras, e criam uma atmosfera celestial, tal como nas catedrais góticas medievais, só que, com a presença da simplicidade dos materiais apresentados na sua forma natural.
Arquiteto: Gottfried Böhm
Localização: R. Padre Gatone, 75 – Centro 1, Brusque SC – Brasil
Ano do projeto: 1955 foi lançada a pedra fundamental
Área construída: 1.375,05m²
Fotografias: Ronaldo Azambuja
Texto e Pesquisa: Arquiteta Angelina Wittmann