O Brasil se apresenta ainda hoje como um país de contrastes e começos; marcado por períodos de mudanças aparentemente pequenas, mas capazes de movimentos transformadores, que multiplicam conhecimentos em distintas áreas. Por trás de tais movimentos existem algumas pessoas no país, seja em universidades, centros de pesquisa, e iniciativa privada, merecedoras de nossa atenção. Brasileiros que, no cenário político, empresarial ou acadêmico, fazem a diferença.
O obstinado e visionário professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque (in memoriam) via no design, no início da década de 80, uma porta para o país. Para o então presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), seria um caminho para que as instituições de ensino contribuíssem na geração de inovações no campo do design e tecnologia, e sua posterior transferência para sociedade. O professor Itiro Iida, que à época trabalhava no CNPq, propiciou a aproximação de Cavalcanti com Gui Bonsiepe, remanescente da famosa escola de ULM alemã e reconhecido mundialmente pelas publicações que muito auxiliaram professores e estudantes de design em vários países. O trabalho desenvolvido por Bonsiepe no Chile e na Argentina, com a montagem e coordenação de dois laboratórios de design, resultou em iniciativas direcionadas ao setor produtivo, tendo ajudado no desenvolvimento de vários projetos implantados nesses países.
Em 1983, o CNPq cria uma unidade no Brasil focada no design, com o objetivo de diminuir a distância entre as universidades e a indústria brasileira. Oficialmente, o Laboratório Associado de Desenvolvimento de Produto/Desenho Industrial de Santa Catarina – LADP/DI, foi criado em 22 de março de 1984, a partir de um Convênio de Cooperação entre várias instituições firmado por: CNPq, a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catarina (FEESC), a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) e o Governo do Estado de Santa Catarina, através das secretarias de Administração e Indústria e Comércio. Alguns anos depois, o LADP/DI passou a ser chamado Laboratório Brasileiro de Design Industrial – LBDI.
Sua posição geográfica foi estratégica, considerando as características do parque industrial rico e diversificado do estado, com empresas de variados ramos: metal mecânica, têxtil, moveleira, utilidades domésticas, eletroeletrônica, de bens duráveis e de consumo, de base tecnológica, entre outras. O LBDI começou suas atividades na UFSC e alguns meses depois passou a funcionar no bairro de Canasvieiras, espaço ocupado hoje pela Academia de Polícia.
O CNPq, por meio de sua secretaria (SNDCT), via a necessidade de articular um conjunto de ações focadas no desenvolvimento industrial, promovidas junto aos agentes envolvidos nas atividades de inovação. Era necessário chegar até a indústria mais agilmente na prestação de serviços em design. Dessa forma, um bom começo seria a promoção de melhorias nas competências de recursos humanos, professores, profissionais, engenheiros, arquitetos e estudantes de design, para a atividade projetual.
Importância do LBDI
O LBDI nos anos 80 e 90 foi um marco sem precedentes, com repercussão no cenário nacional e internacional pelo papel desempenhado em sua curta trajetória (1984 a 1997); e serviu de referência em termos de disseminação do conhecimento e de experiências na área do design. Suas práticas foram incorporadas e compartilhadas por uma legião de estudantes, professores, profissionais e convidados do Brasil e do exterior, atingindo e transformando o ambiente acadêmico e de empresas privadas.
Nesse contexto é possível destacar três abordagens que marcaram a atuação do LBDI: a primeira se concentrava em sensibilizar o empresariado catarinense sobre a importância da incorporação do design em suas estratégias de negócio por meio da atuação prática. Parafraseando um amigo designer, Eduardo Belô, “design dá lucro”, e pode melhorar a qualidade de produtos e serviços da empresa, além de firmar e trabalhar sua identidade corporativa.
Outra área de atuação residia na elaboração e oferta de cursos de aperfeiçoamento focados na práxis do design, direcionados para estudantes, professores e profissionais das áreas de design, arquitetura, engenharias mecânica e de produção. Uma terceira via compreendia a pesquisa em design. É preciso estudar, refletir e propor; os seminários nacionais e internacionais realizados desempenharam um papel que transcendia o seu momento histórico. Aprofundar as questões do design de forma prospectiva, e poder conviver com designers do mundo inteiro compartilhando suas experiências, quem participou não esquecerá. É possível afirmar que se tratava de uma experiência viva, além do caráter científico, carregada de uma boa dose emocional.
Com a saída do Coordenador Técnico Gui Bonsiepe em meados de 1987, assume o cargo o designer Eduardo Barroso Neto, que ampliou a equipe e sugeriu a mudança de Laboratório Associado de Desenvolvimento de Produtos em Design Industrial para Laboratório Brasileiro de Design Industrial – LBDI.
O Legado
Prestação de Serviços em Design – A realização de ações focadas junto às empresas de SC, através da realização de assessoria técnica na área de desenvolvimento de produtos e pesquisa em design. O LBDI realizava contatos com o objetivo de se aproximar do empresariado catarinense, mostrando os possíveis benefícios, a curto, médio e longo prazo, que o design poderia trazer para suas empresas. Naturalmente, a atuação extrapolava a concepção do projeto e envolvia questões ligadas aos investimentos, mercado e estratégia dessas empresas.
Cursos de Aperfeiçoamento – Os cursos no início foram concebidos com o propósito de melhorar os recursos humanos tecnológicos em diferentes regiões do país. Outros cursos davam ênfase aos estudos em design. O LBDI foi pioneiro no início dos anos 90 ao trabalhar e oferecer cursos sobre Gestão do Design no Brasil. Era o início do pensar e fazer design como uma poderosa ferramenta estratégica, ampliando a sua atuação e tornando mais claras suas relações com o mundo dos negócios.
Seminários – Os seminários tratavam de temas importantes no contexto do design mundial e brasileiro, e também de interesse acadêmico onde contribuições significativas deram algumas perspectivas ao ensino do design. Outra ação que merece destaque foi a viabilização de publicações de livros estrangeiros com abordagens inovadoras na área do design, até então não estavam disponíveis no Brasil. No início dos anos 90, sem o apoio financeiro e institucional necessário e o plano Collor em vigor, a situação do LBDI começou a decliner. Sem força política e recursos, o laboratório foi convidado a sair do CEDHRA e ceder o espaço para à Academia de Polícia. Se mudou para o CTAI – SC, onde ficou por alguns anos, sem o laboratório de modelos e protótipos e salas para oferecimento de cursos, além de grande parte da equipe ter saído, dado as circunstâncias. Depois mudou-se novamente para uma sala na FIESC, e em 1997 não havia mais condições para continuar, sendo decretado o seu fechamento.
Concluindo o inconcluso
Tudo isso funcionava porque as pessoas que faziam parte do LBDI, as que participaram de alguma maneira com suas contribuições, e aqueles que vieram participar em qualquer umas das atividades ofertadas pelo laboratório, fazem parte desse momento histórico e de seu legado.
Hoje esse modelo necessitaria ser reinventado; algo absolutamente natural, afinal estamos falando de um período vivido há quase trinta anos. O design adquiriu maturidade e uma visão mais holística, busca interações centradas no usuário para propiciar experiências positivas. Elabora cenários para configuração dos elementos necessários ao que a sociedade precisa, dentro de um caminho viável tecnologicamente, sem esquecer das questões de impacto ambiental e da manutenção de negócios sustentáveis.
“O mito do progresso material contínuo vem conduzindo nossa sociedade até os limites da falência cultural, emocional e ecológica” – Marshall McLuhan.
A atividade econômica mudou muito, saindo do contexto de produção industrial; surgiram outras vias como a criação de conhecimento para o aumento da prestação de serviços, desenvolvendo áreas de atuação relativamente novas. Tanto comportamento quanto tecnologia são agentes destes processos. Em meio a tudo isso, o design assume um papel importante em suas abordagens: mudança de comportamento das pessoas, a escassez de recursos naturais, a produção de lixo no planeta, a melhoria da qualidade de vida, entre outras questões. Todas estas questões, que não podem ser desprezadas, evocariam um novo LBDI.
O papel do design e sua transdiciplinaridade permitem uma atuação mais efetiva, centrada no usuário e focada nas necessidades humanas, ou seja: viver mais, com menos e melhor. A dimensão simbólica do caráter social e a significação das coisas, numa cultura materialista, assumem uma dinâmica muitas vezes efêmera na sociedade, influenciando escolhas e comportamento. O entendimento do princípio é o ponto de partida do trabalho do design, com base em conceitos ou referências úteis que norteiem a sua abordagem de efeito econômico, social e cultural.
Célio Teodorico – Professor Doutor do Departamento de Design da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), e do Programa de Pós Graduação em Design (PPG Design). Pesquisador, um dos fundadores do LBDI e designer premiado nacionalmente. É Diretor da Paradesign |Estúdio566.
- artigo publicado originalmente no anuário ArqSC impresso 2015.