Conteúdo exclusivo do Anuário ArqSC 2016.
A mostra “Latin America in Construction: Architecture 1955-1980”, maior exposição sobre a arquitetura latino-americana já realizada pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – MoMA, em 2015 rebateu, 60 anos depois, uma outra mostra sobre arquitetura latino-americana realizada pelo museu em 1955 – “Latin America since 1945”.
Em 1.200 metros quadrados, estiveram reunidos cerca de 500 documentos oriundos de 11 países, resultado de um enorme esforço de pesquisa e de logística coordenado pelos curadores Barry Bergdoll (MoMA), Patricio Del Real (MoMA), Carlos Eduardo Comas (UFRGS) e Jorge Francisco Liernur (Universidad Torcuato di Tella). “Dada a qualidade e quantidade das realizações, a exposição não se pretendeu exaustiva, mas sugestiva”, explica o curador Carlos Eduardo Comas, arquiteto professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Eram desenhos arquitetônicos, modelos, fotografias de época e registros audiovisuais, além de maquetes e fotografias recentes focadas no período de 1955 a 1980, mas introduzidos por um “prelúdio” sobre as três décadas precedentes. Nessa sala, chamada “Prelúdio: uma região em movimento”, figuravam os marcos consagrados da arquitetura moderna latino-americana da primeira metade do século 20, com destaque para duas maquetes: um projeto de Amancio Williams e o edifício do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, de Lucio Costa e equipe.
As demais obras incluídas nesse “prelúdio” eram mesmo “belas e geniais”, na avaliação da arquiteta e crítica Ruth Verde Zein: desenhos e projetos de Juan Borches, Carlos Raúl Villanueva, Lucio Costa, Warchavchik, Niemeyer, Juan O’Gorman, Mario Pani, Villamajó, Hardoy & Kurchán e Williams. Elas eram exibidas lado a lado com testemunhos das viagens de Frank Lloyd Wright e Le Corbusier à América do Sul e das exposições do MoMA “Brazil Builds” (1943) e “Latin America since 1945” (1955).
Brasil no MoMA
O Brasil esteve representado por obras marcantes ao longo de toda a exposição, além do destaque dado ao Ministério da Educação no Rio de Janeiro, projeto de 1936 de Lucio Costa e equipe, incluindo Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, e à Cidade Fluvial do Tietê, de Paulo Mendes da Rocha, cuja maquete em aço abria a exposição ao lado da Equação do Desenvolvimento, do uruguaio Gomez Gavazzo. Brasília mereceu um espaço exclusivo, incluindo croquis, fotos, maquete e o relatório do Plano Piloto de Lucio Costa.
No núcleo da mostra, destaque especial para obras como o Masp, de Lina Bo Bardi, o MAM-Rio no Parque do Flamengo, de Reidy e Burle Marx, “complementado por duas joias do Lúcio Costa”: as rampas de acesso à Igreja da Glória e o Monumento a Estácio de Sá; a FAU-USP, de Vilanova Artigas; o Ginásio do Clube Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha, e obras de Lelé na Bahia e Brasília. Na parede dedicada ao quarto de século de projetos de habitação, havia, entre outros, o Cajueiro Seco, de Acácio Gil Borsoi, em Recife, e a requalificação da favela de Brás de Pina no Rio de Janeiro, de Carlos Nelson Ferreira dos Santos e equipe.
Estudo histórico
Na avaliação de Comas, a grande diferença entre a mostra de 1955 e a atual é que a primeira era uma retrospectiva de dez anos que visava um futuro, uma continuação e tomava a modernização da cidade latino-americana como exemplo, mostrado através de uma compilação de fotos, tiradas em várias viagens do crítico Henry-Russell Hitchcock pela América Latina. A atual é um estudo histórico do período 1955-80, uma exposição de arquivo, de curadoria coletiva, que pretendeu primariamente propor uma redescoberta e/ou revisão.
A primeira exposição tinha como foco, segundo Comas, a questão do desenvolvimento, afinal 1955, ano em que o MoMA fez sua primeira e única exposição sobre arquitetura moderna latino-americana, a “Latin American Architecture Since 1945”, corresponde, grosso modo, ao momento em que o desenvolvimentismo se consagra como política pública na região. Já 1980 corresponde, grosso modo, segundo o arquiteto, à crise do desenvolvimentismo, e ao momento que ratifica o menosprezo da historiografia europeia e norte-americana pela experiência arquitetônica e urbanística modernas na região.
Para Ruth Verde Zein, a exposição não trouxe grandes novidades para os latino-americanos. Foi montada para atrair público e conseguiu. Mas pretendeu, e no seu entender conseguiu, mostrar e demonstrar a todos que “a arquitetura moderna na América Latina (e não mais a “arquitetura latino-americana”, e a diferença não é pouca) é uma contribuição da maior relevância, e absolutamente indispensável para se compreender, de maneira acurada, qualquer panorama minimamente decente sobre a arquitetura moderna do planeta Terra, no século 20.”
Na exposição, o interesse pelo “nosso” mundo, ressalta a arquiteta, não acaba na inauguração de Brasília em 1960, mas demonstra que o interesse pode ser facilmente estendido pela produção das décadas seguintes. Para ela, a contribuição realmente original da exposição centrava-se em sua sala principal, aquela que tratava, propriamente, dos anos 1955-75, pois a única obra realizada entre 1975 e 1980 foi o Sesc Pompeia de Lina Bo Bardi.
“A extensão do período até 1980 não foi ativada para atender a uma lógica historiográfica e sim a uma posição estratégica, já que com isso foi possível incluir uma obra realmente notável: o SESC-Pompéia, de Lina Bo Bardi e equipe. Diferentemente do MASP, da mesma autora, cujo projeto e obra vai de 1957 a 1968 e afina-se perfeitamente com as buscas arquitetônicas desse período, a obra do SESC-Pompéia inaugura outros ares. De todas as obras ali expostas, é a única que poderia ser, legitimamente, também considerada como “contemporânea”. Ou, pelo menos, parece ser uma obra que ilustra bem o que entendemos hoje, em 2015, por contemporaneidade.”