Arquiteto e urbanista André Schmitt faleceu, quinta, dia 12 de setembro, após complicações decorrentes de uma queda em casa. Ele estava em coma, internado no Hospital Baía Sul em coma desde a semana passada. Schmitt recebeu, em 2018, no aniversário de Florianópolis, a Medalha do Mérito Virgílio Várzea, uma homenagem da Alesc. Titular do escritório Desenho Alternativo, criado em 1985 juntamente com Daniel Ceres Rubio, o arquiteto também foi um dos fundadores da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura, Regional de Santa Catarina (AsBEA SC).
O velório será sexta, dia 13, a partir do meio-dia às 16h, no Crematório Vaticano do Itacorubi.
Publicamos entrevista realizada pela jornalista Simone Bobsin para a Revista Área, em 2008.
Os temas podem ser os mais variados. Urbanismo, projetos arquitetônicos, culturais, planejamento, universo acadêmico. A resposta, sempre fundamentada, vem de forma emocional. Quem escuta, e não é da área, recebe uma aula clara e objetiva; no entanto, jamais sem paixão. É esse sentimento que move o arquiteto André Schmitt, referência em arquitetura em Santa Catarina e dono de uma sábia simplicidade. Talvez resida exatamente aí sua sabedoria. O colega Giovani Bonetti ressalta esse traço. “O André trata todos de forma igual. Ele se posiciona de maneira igual perante os colegas e está sempre trazendo suas sugestões para discussões na Asbea (Associação Brasileira de Escritório de Arquitetura), colocando-se sempre como coordenador e nunca autor único de uma idéia”, diz.
Projetos Integrados
Ter atuado como professor ajudou a moldar o perfil de valorização do coletivo e de respeito aos colegas. O olhar de Schmitt para a Arquitetura não é personalista. Ao contrário, junto à equipe do seu escritório, Desenho Alternativo, busca parcerias quando necessário. Principalmente porque encara os projetos como um desafio a ser vencido com as armas mais eficientes (instrumentos e tecnologias) e com uma equipe apropriada (de acordo com as características de cada projeto).
O escritório tem foco acentuado no desenvolvimento de projetos integrados de equipamentos turísticos e hoteleiros. Entre os principais projetos implantados estão o condomínio Canajurê Clube, o Costão do Santinho Resort – premiado pela Revista Expressão Ecologia e selecionado para a Bienal Internacional de Buenos Aires e de São Paulo -, e o Costão Golf Club, todos em Florianópolis; e o Plano de Ocupação Espacial para a Ilha João da Cunha-Etapa Pioneira, em Porto Belo. Destacam-se, ainda, projetos em aprovação: Projeto Náutico/Habitacional Porto da Barra, “Prêmio Arquitetura” na Bienal de Olinda/Recife; Plano de Urbanização da Praia de Taquarinhas, em Balneário de Camboriú; e Plano Urbanístico do Pólo de Desenvolvimento Eco-Turístico-Habitacional, em Paraty, Rio de Janeiro.
Mesmo expandindo para outras áreas, é em Florianópolis que o escritório acumula mais projetos. Para André, é um desafio projetar em uma cidade que cerceou o setor de Arquitetura e construção depois de um longo período de exploração urbana desenfreada e sem limites. “Não existe um equilíbrio, Florianópolis está engessada”, desabafa o arquiteto, que critica o engavetamento do projeto de Urbanização do Aterro da Baía Sul, premiado com o 1º lugar no Concurso Público Nacional organizado pelo IAB/SC (Instituto de Arquitetos do Brasil) e IPUF (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis). O plano, do qual o arquiteto André foi coordenador, previa a reurbanização do Parque Dias Velho, onde hoje fica o terminal rodoviário, infra-estruturas viária, náutica e paisagística.
Viagem de estudos
Formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1969, André escolheu a Ilha de Santa Catarina para morar depois de um período de residência em Itapema/SC (1972/75) coordenando as obras da segunda etapa de implantação do Complexo do Hotel Plaza Hering, em Blumenau, para a Rede Plaza de Hotéis. “Foi a minha formação prática, de canteiro de obra”, conta. A partir de uma viagem de estudos, em 1976, para continentes africanos, o arquiteto despertou o olhar para o fenômeno da atividade turística e das diferentes formas de apropriação do espaço. Por outro lado, travou contato com os temas que já inquietavam o mundo: a mudança de paradigmas da questão energética, motivada pela crise internacional do petróleo dos anos 73/74, e seus rebatimentos com a arquitetura e o urbanismo.
Nessa época, fez um estágio no National Center for Alternative Technology, no País de Galles, e foi apresentado às práticas ligadas a tecnologias alternativas para a arquitetura e embrionárias das questões de sustentabilidade que hoje fazem parte, de forma indissociável, das discussões dos arquitetos. “Esta viagem marcou, de forma definitiva, dois importantes aspectos incorporados à minha formação e atuação profissional: arquitetura e espaço do turismo; arquitetura e as alternativas tecnológicas”, resume.
Formação continuada
No retorno a Florianópolis, André criou, em 1977, o escritório Desenho Alternativo com seu ex-colega de curso de Arquitetura Antonio Aiello. Dois anos depois, tornava-se professor concursado da UFSC, onde lecionou as disciplinas de Projeto Arquitetônico e de Tecnologia Alternativa no Departamento de Arquitetura e Urbanismo até 1995. “Por incrível que pareça, proferir aulas foi outro complemento de minha formação, pois me obrigou a estudar muito mais do que o tempo de faculdade”, lembra Schmitt, confirmando a importância da “formação continuada” do profissional arquiteto. No campo do escritório, André e seu sócio seguiram rumos diferentes. Enquanto Aiello atuava em Porto Alegre com desenho do mobiliário e equipamentos, André mantinha-se em Santa Catarina, responsabilizando-se, como titular da Desenho Alternativo, pelos projetos de arquitetura e urbanismo. Em 1979, associou-se ao uruguaio Daniel Ceres Rubio.
Atuação política e cultural
A atitude de agregar e dividir atenções e tarefas também é fruto de seu perfil político. Durante três anos (1986-1988), o arquiteto foi o titular da Secretaria de Turismo Cultura e Esporte de Florianópolis. Entre vários projetos na área cultural, destacaram-se a criação e implantação da Fundação Franklin Cascaes e a reforma e revitalização de espaços como o vão central do Mercado Público (espaço Luiz Henrique Rosa), proposto no período de sua gestão. A atuação política estendeu-se também à frente do IAB/SC, como vice-presidente, presidente e representante do Conselho Superior.
Por conta da visão de que não há como dissociar a cidade onde se mora do que é projetado, o André-cidadão criou o Plano de Roteiros para passeios turísticos e Culturais, sobre a bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição, na Capital. O projeto, de 1981, foi premiado pelo IAB/SC e selecionado para apresentação no Congresso Nacional de Arquitetos, na Bahia, no mesmo ano. Seguindo esta linha, recentemente idealizou e organizou a exposição “Destaques das Bienais de Arquitetura”, realizada no Centro Integrado de Cultura (CIC), no mês de abril. “A Arquitetura tem que ser vista como uma manifestação cultural”, acredita ele, que trouxe para Florianópolis, em 1995, a exposição de arquitetura do mobiliário de Lina Bo Bardi. Para o segundo semestre deste ano, André e o crítico de arquitetura e jornalista Vicente Wissenbach, estão planejando mais uma mostra. A proposta é iniciar uma cultura sobre o tema em Florianópolis a partir da inter-relação arquitetura e arte.
Você veio morar em Florianópolis nos anos 70 e teve forte atuação como secretário municipal de turismo e presidente do IAB na década de 80. O que mudou na arquitetura nessas últimas décadas?
Nestes 30 anos, a cidade cresceu acima da média nacional, triplicou sua população e, apesar de ter o seu quadro de profissionais (arquitetos) ampliado em 10 vezes, perdeu muito da sua qualidade urbana. Os exemplos mais significativos são os da ausência de desenho e tratamento dos espaços públicos. Não existem mecanismos adequados – nossos Planos Diretores estão defasados – e os organismos responsáveis por este desenho estão totalmente fragilizados e desprestigiados. O IPUF (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) tem quase o mesmo número de funcionários do tempo de sua fundação, 30 anos atrás. Por outro lado, a produção privada está em grande parte massificada, especulativa ao extremo, a ponto de desqualificar o produto arquitetônico.
Os ícones arquitetônicos importantes da cidade são os mesmos, e poucos, do passado: a Ponte Hercílio Luz, o Mercado Público e a Alfândega, longes do mar que lhes deu maior significado, e o Palácio Cruz e Souza e a Catedral junto à Praça XV. Pior, foram destruídos importantes conjuntos arquitetônicos, registros da nossa história, e substituídos por edificações sem a mesma importância.
A cidade carece de referências arquitetônicas contemporâneas qualificadas. Prédios como os da Assembléia Legislativa, de Pedro Paulo Saraiva e Paulo Mendes da Rocha, ou da Eletrosul, de Fortes/ Gandolfi, ou da CELESC e do Terminal Rita Maria, de Carlevaro e Brena, são raras exceções e já possuem, quase todos, mais de ¼ de século.
A saudável prática dos concursos de projetos de arquitetura, públicos ou fechados, foi esquecida. O último concurso público de idéias – do Aterro da Baía Sul, já tem 10 anos e, apesar de haver passado por duas etapas de seleção, sendo a segunda composta por um júri técnico altamente especializado e que concedeu o 1º lugar por unanimidade, está até hoje engavetado.
Os trabalhos premiados como o Costão do Santinho Resort já implantado, e os Complexo Porto da Barra e Urbanização Aterro da Baía Sul, que não saíram do papel, impõem que desafios ao profissional arquiteto na construção e planejamento da cidade?
Não podemos esquecer que ao propormos um projeto arquitetônico ou desenho urbano, não importa a escala, estamos desenhando “trechos da cidade”. É importante que os reflexos desta intervenção no meio, tenham um balanço positivo. No caso específico do projeto Aterro da Baía Sul, nossa proposta foi de reforçar a “centralidade urbana” do centro histórico de Florianópolis, devolvendo à cidade o contato com o mar, através de uma “Praça d’água que revaloriza o seu patrimônio histórico (Mercado Público, Alfândega e Casario Colonial), reforçando sua condição de Ilha e cidade marinheira”.
Quais as tuas influências na arquitetura?
As primeiras foram de bons mestres, os professores da Faculdade de Arquitetura (FAU – UFRS), como Miguel Pereira, Carlos M. Fayet e Emil Bered ( para citar alguns nomes), que souberam bem apresentar a arte e o processo de projetar, levando em conta os aspectos técnicos, sócio-culturais e estéticos que envolvem a produção do espaço arquitetônico. Em segundo lugar, eu diria que foi o hábito de frequentar a biblioteca e, aprender a “ler” projetos em revistas de arquitetura, descobrindo os mestres da arquitetura nacional e internacional. Sempre me atraíram mais, e seguramente mais me influenciaram, os arquitetos cuja prática de projetos é marcada pela forte relação com os valores sócio-culturais e ambientais onde o projeto se insere, tais como: Severiano Porto, Lina Bo Bardi e João “Lelé” Figueiras Lima no Brasil, Solsona (na Argentina), Barragan (no México) e Charles Correa (na Índia) para lembrar alguns nomes de importantes arquitetos terceiro-mundistas.
Uma geração de arquitetos, principalmente em São Paulo, procurou tratar a arquitetura como fato cultural. Esse conceito você trouxe com a exposição do mobiliário da Lina Bo Bardi, em 1995, e agora com a mostra Destaques das Bienais de Arquitetura, ambas no CIC. Arquitetura tem que ser vista de forma mais ampla, como manifestação cultural?
Sem dúvidas. Se assim não for, estaremos somente empilhando tijolos. Arquitetura é resposta às necessidades espaciais, mas também é expressão de valores (estético/culturais) de cada tempo e espaço. A arquitetura é, ao mesmo tempo, parte e configuradora da cidade, entendida como a mais importante manifestação cultural do ser humano.
A tua intenção com exposições como esta em Florianópolis é formar um público crítico?
Primeiramente, dentro de limites reais, contribuir para a formação de inúmeros estudantes de arquitetura da cidade e mesmo na alimentação da formação continuada dos profissionais arquitetos que atuam na região. Mas, ao trazermos a exposição para o Centro Cultural mais importante da cidade (CIC), onde tradicionalmente participamos de mostras de artes plásticas (pintura/ gravura/ esculturas…), apresentações cênicas (teatro/ dança…) e cinematográficas ou de música, estamos colocando a Arquitetura neste mesmo patamar das manifestações artísticas. Conseqüentemente, ao apresentá-la como produto cultural – vale lembrar que os projetos expostos foram destacados e premiados em importantes Bienais de Arquitetura – , estamos contribuindo para o surgimento de um público disposto a exigir por uma cidade com espaços qualificados e com boa arquitetura.
Para onde devemos dirigir o olhar do ponto de vista arquitetônico?
A arquitetura “deve nos causar emoções/ surpresa/ espanto…” como diz o mestre Niemeyer, mas é na resposta do “uso” lembrando Lina Bo Bardi que o fenômeno da arquitetura se completa. Pois afinal, uma “bela arquitetura”, não “usada”, não responde para que veio, seria no máximo uma “bela escultura”. Fiquei surpreso com a premiação de “Projetos Arquitetônicos após 10 anos de sua implantação”, da qual tive conhecimento existir a mais tempo na Espanha. Recentemente, na Argentina, o mestre Clorindo Testa foi agraciado com o primeiro prêmio da versão “portenha” deste concurso com a obra de um terminal de transporte coletivo, pela “manutenção, no tempo, de suas qualidades espaciais e de uso”, e ainda “pelo fato do projeto ter irradiado qualificação ao entorno, com a pintura que os vizinhos deram às suas casas, em resposta ao colorido da obra do autor…”
Os arquitetos do escritório Brasil Arquitetura e o americano Steven Holl acreditam que a arquitetura tem o poder de transformar o modo de viver? Você acredita nesse poder?
Sim, sem dúvidas. Mas é importante entender que esta transformação pode ser para melhorar ou piorar nossas vidas. Um espaço público qualificado (o que não significa luxuoso) pode ser altamente indutor do processo de transformação social. Um “evento” arquitetônico ou urbano que nos “emocione/ surpreenda” favoravelmente, pode ajudar a elevar a nossa auto-estima – da população de um bairro, e até de uma cidade. Já um espaço deteriorado, ou carente de significados, acontece o inverso.
Como você vê a questão da formação profissional no Brasil hoje?
A massificação do ensino de arquitetura, através da proliferação de “escolas” e “cursos”, tem colocado no mercado um contingente de arquitetos com frágil bagagem cultural e profissional. Pautar o ensino de arquitetura somente pelas demandas de mercado (caso de alguns cursos) é no mínimo desprezar a capacidade do arquiteto (e da arquitetura) ser também agente de transformação da sociedade.