Como o futuro de Laguna, no litoral de Santa Catarina, poderá ser afetado com as mudanças climáticas, os eventos extremos, a poluição das águas, por exemplo? Qual é o papel da arquitetura nesse contexto? Uma abordagem sistêmica no diagnóstico do território foi o ponto de partida para a proposta liderada pelo estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), João Vitor Bitencourt Pilati que reuniu alunos de arquitetura, biologia e engenharia de pesca e que foi selecionado para participar da 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (BIAsp).
Um dos eventos mais prestigiados da área no Brasil, a Bienal traz justamente o tema “Extremos: Arquiteturas para um mundo quente” que tangencia o trabalho de Pilati. Essa é a primeira participação da Udesc na Bienal, e a universidade estará ao lado das melhores universidades do Brasil e do mundo.
“+ pescador+meio+pescado +”
O trabalho “+ pescador+meio+pescado +”, orientado pelo professor Gustavo Pires de Andrade Neto com participação da arquiteta Glória Cabral, envolveu uma equipe multidisciplinar do Centro de Educação Superior da Região Sul (Ceres), em Laguna, foi escolhido entre mais de 130 inscritos no Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura e Urbanismo, que teve 66 propostas homologadas e apenas 30 selecionadas para a exposição.
“O projeto selecionado resultou de um encontro feliz, com iniciativa de participar do próprio estudante João Pilati, que desenvolvia um trabalho que apontava para as relações entre o ecossistema lagunar e os pescadores tradicionais. Também preciso destacar a participação da arquiteta Gloria Cabral, que tem uma trajetória reconhecida pela sua obra arquitetônica inovadora, que é magnífica. A Gloria veio morar em Laguna na pandemia, onde abriu o seu estúdio, e foi colaboradora externa na orientação deste projeto”, conta Andrade Neto.
“+ pescador+meio+pescado +” propõe pensar a arquitetura para além do prédio, o nome do projeto denota algo cíclico, que conecta o alimento, quem o consome e o ambiente onde essa relação acontece
O papel central dos pescadores tradicionais no ecossistema de Laguna é o foco do projeto, sendo os pescadores o próprio fio condutor para entender o modo de vida das comunidades tradicionais e retirar daquele contexto os ensinamentos para o futuro da cidade, considerando questões econômicas e de segurança alimentar, por exemplo.
“Observamos que hoje as pessoas já não se banham na lagoa, evitam o contato com a água, sentem nojo e desconfiança da procedência dos pescados. Percebemos que perdemos essa conexão e queríamos reencontrá-la”, conta João. Para o estudante, não adianta propor uma obra para limpar a água se a produção poluente continua. “Foi aí que entendemos que não dava para trabalhar com apenas um eixo da Bienal. Para seguir a lógica do projeto, era preciso integrar todos os eixos — porque a vida funciona como um grande ecossistema”.
“No fim, a vida é um grande ecossistema e foi interessante porque o processo foi todo interdisciplinar”, afirma Pilati, que diz ter muito orgulho do trabalho construído a muitas mãos.
A proposta inclui diretrizes territoriais e urbanísticas:
- infraestrutura ecológica
- preservação de fontes de água limpa
- construção de chinampas (ilhas flutuantes cultiváveis) sobre a lagoa
- implantação de canais para criação de camarão, como alternativa diante da contaminação das águas e da ameaça à pesca tradicional;
- recuperação de imóveis abandonados no centro histórico para uso habitacional por pescadores
- soberania alimentar e inclusão social
“É um trabalho sobre arquitetura e urbanismo, mas também sobre pesca, sobre peixes e sobre a sua dimensão histórica, cultural e social em Laguna. É um trabalho sobre Laguna mas também é um trabalho para outros lugares no mundo. Fala de um futuro social e ambientalmente sustentável e justo, algo imperativo para o futuro da arquitetura e urbanismo em um contexto de mudanças climáticas”, comenta Andrade Neto.
Para Pilat, a expectativa é que a exposição na Bienal seja um ponto de partida para novos desdobramentos. “Nosso maior desejo é que o público saia da exposição com um olhar mais atento aos ciclos naturais, às culturas tradicionais e à urgência de repensar como vivemos nas cidades. Que o projeto inspire não só arquitetos, mas todos que acreditam que é possível construir futuros mais justos e sustentáveis”, declara.
14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo
Após uma década de edições descentralizadas, em 2025 a BIAsp retornará ao parque Ibirapuera, sua sede histórica, para reunir, na Oca, de 18 de setembro a 19 de outubro.
Cinco eixos pautarão projetos, experiências, experimentos e discussões de transformação desse cenário que mirem a produção de cidades mais resistentes e resilientes, pois adaptadas aos extremos do clima e preparadas para retomar a vida após os desastres: Preservar as florestas e reflorestar as cidades; Conviver com as águas; Reformar mais e construir verde; Circular e acessar juntos com energias renováveis; e Garantir a justiça climática e a habitação social.
MAIS SOBRE A BIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA
Ficha técnica do projeto
Orientação
Gustavo Pires de Andrade Neto – Professor (orientador)
Gloria Cabral – Arquiteta (orientadora externa)
Coordenação
João Vitor Pilati
Equipe
Agatha Antunes de Souza
Gustavo Henrique Pires
Igor de March
João Garrote
Lucas Tavares
Marina Medeiros Formighieri
Matheus Henckmaier
Myllena Victor
Sofia Furtado
Tony Rodrigues Torquato
Vera Lobo
Apoio externo
Olana Tridapalli
Otávio Hünttemann
Rafael Sena
Yan Magalhães Marrese