Na apresentação para uma palestra, Gloria Cabral foi apresentada como uma arquiteta do Paraguai-Brasil, identidade que desde cedo seu pai a fez entender: “Tu não é nem daqui e nem de lá, és uma cidadã do mundo”, contou na entrevista concedida ao Marola Coletiva, gravada no outono de 2022, na Livraria Coruja Buraqueira, em Laguna, Santa Catarina. “Meu pai falou isso muitas vezes até que me convenceu, então pra mim o lugar é onde tu sentes isso que tô sentido com o Marola, tô sentindo em Laguna, onde tu se sentes em casa”, diz a arquiteta que nasceu no centro de São Paulo, morou na rua Consolação – “nosso pátio era a sombra da Lina Bo Bardi”, e frequentava o Parque Ibirapuera aos domingos e a praia de Guarujá, no litoral paulista.
Ainda pequena, foi para o Paraguai e estudou no Colégio Experimental Paraguai Brasil, projeto do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, pioneiro da arquitetura moderna no Brasil. As influências binacionais acompanharam a formação de Gloria como cidadã sem fronteiras. No Paraguai, recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Asunción e, em 2016, levou o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza quando ainda era sócia titular do Gabinete de Arquitectura, um dos mais reconhecidos escritórios de arquitetura do país vizinho.
“A concepção da profissão é a ferramenta de como tu queres enfrentar o mundo, eu gosto de ficar rodeada de gente que quer mudar a nossa sociedade, que sonha com uma sociedade diferente, a arquitetura é a ferramenta que vai me ajudar a fazer essa transformação… mas pra mim o mais importante ainda é o urbanismo, como construímos a cidade”.
Em janeiro deste ano, junto com Teresa Moller, José Cubilla e Solano Benitez recebeu o importante Prêmio Global Award for Sustainable Architecture 2021, organizado pela entidade francesa Cité de l’Architecture et du Patrimoine e financiado pela UNESCO. A arquiteta também foi reconhecida com o Prêmio Moira Gemmill de Arquitetura Emergente, em 2018, pelo seu domínio da materiais. E, ainda, carrega o título de pupila do arquiteto Peter Zumthor no Programa Rolex Mentor e Protégé.
“O arquiteto tem que olhar uma árvore para ver como funciona como casa”
Trazida pelo vento e a marola
Sempre em movimento, Gloria retorna ao Brasil, em 2004, onde faz estágio no escritório do arquiteto Angelo Bucci, em São Paulo. Influenciada pelas marolas do Sul do país, em 2020 desembarca na paradisíaca praia da Guarda do Embaú, em Santa Catarina. “Coisas mágicas que aconteceram, estamos iniciando novos ares no sul do Brasil”, diz.
Desde 2021, a Marola Coletiva, formado por arquitetos professores do curso de Arquitetura da UDESC (Universidade de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina), se aproximou da arquiteta para a troca de experiências e conexão com outros saberes. A Imersão Cal Palha Tijolo foi o resultado da primeira saída a campo e uma semente para a implantação da pesquisa de materiais para a arquitetura dentro da universidade.
O encontro com Gloria não poderia ser mais oportuno. A arquiteta é reconhecida pela sua atuação com arquitetura social e a reutilização e abordagem inovadora dos materiais, principalmente o tijolo. Seu olhar sensível logo foi atraído por uma cidade que tem como heroína uma mulher e golfinhos que ensinam os pescadores a trabalhar em parceria. “Impossível não se apaixonar”, afirma, encantada com Laguna, sede da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UDESC e onde conheceu a turma da Marola – Carolina Stolf, Katia Veras, Lucas Reitz e Luiza Ferraro.
Nesta entrevista, Gloria discorre sobre a trajetória, a defesa do cultivo de materiais biológicos, gênero, as incertezas da arquitetura, sustentabilidade e as próximas oficinas e projetos para a cidade de Laguna.