Artigo 8 da arquiteta Maria Pilar Arantes exclusivo para o ArqSC. Pós-graduada em Arquitetura e História das Cidades pela Universidade Federal de Santa Catarina e fundadora e diretora do Centro de Artes e Design (ww.centrodeartesedesign.com), um centro de pesquisa, formação e difusão do design de interiores e das artes, em cujos cursos já se formaram, desde 1999, mais de 5 mil pessoas. É escritora e registra suas viagens por meio de fotografias.
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Neste artigo vou compartilhar umas informações sobre as incríveis festas espanholas e sobre o papel do bar na socialização do povo de todas as classes sociais, porque há uma conexão direta com o clima social gerado pelo urbanismo medieval. Além disso, nos ajuda a compreender melhor a história da arte espanhola dos artigos anteriores que você encontra aqui no portal.
No último artigo falei sobre a configuração urbanística da cidade medieval espanhola e como promovia que as as pessoas compartilhassem vida no mercado e nas praças públicas. As casas muito próximas também aumentavam o sentimento de unidade da população que se ajudava em distintos momentos da vida. Poderia ser mais ou menos dura conforme a situação de paz ou guerra, de bonança de colheita ou escassez, em épocas de chuvas ou da falta delas, nos enterros, nas epidemias e muitos outros infortúnios. Também compartilhavam os momentos bons: os casamentos, a primeira comunhão dos pré-adolescentes, os nascimentos, e se aconselhavam sobre amizades, sobre os problemas de matrimônio e outras questões de nossa complexa mente humana.
A Espanha é um país festeiro! Se tem alguma dúvida visite o site do “Portal Oficial de Turismo na Espanha” e busque por “fiestas en España”. Se abrirá uma página com 611 opções que incluem apenas as festas mais famosas por toda Espanha (o território espanhol é de 505.957 Km2 incluindo a área insular, enquanto o Brasil tem 8.516.000 km²).
E se há algum país que está sofrendo com o distanciamento social imposto pela pandemia do Covid-19, eu posso apostar que a Espanha é o que está passando pior...
Festa de Gegants, na Catalunha. A primeira referência a festas com gigantes é de 1475, representando a luta entre os personagens bíblico David e Golias. Hoje já se ampliaram os personagens para temas relacionados à imigração, lutas entre muçulmanos e cristão, festejo de colheitas e prosperidade.
Quais são as temáticas das festas na Espanha?
As mais comuns são as dos Santos Padroeiros das cidades ou da Província (o país é predominantemente católico). Me surpreendeu quando cheguei aqui, dia 12 de outubro, e tanta gente telefonou e enviou mensagens felicitando-me pelo dia do meu santo: La Virgen del Pilar – que é patrona da Comunidade Autônoma de Aragón, da cidade de Zaragoza e da Polícia Civil. Deixar de felicitar alguém no dia do seu santo não é muito educado nos pequenos povoados, então se você quer estar bem com alguém trate de saber se seu nome tem um santo (90% das vezes tem!) e no dia de comemoração do santo, deseje “Feliz día de tu santo”.
Outras temáticas são as relacionadas com agricultura e as colheitas, eventos históricos, fundação da cidade, e as mais diversas e criativas feiras (las Ferias) como a medieval onde se encontrará encenações de batalhas de cavaleiros, de templários e muitos outros temas históricos.
Festa dos Tres Tombs, na Catalunha. Festa na qual são abençoados os animais, protagonistas centenários para garantir uma boa semeadura, fertilidade da terra e consequente produção agrícola. Data de mais de 700 anos de existência e é celebrada em janeiro.
Festa dos Armats, em Constantí, Catalunha. O termo “Armats” é a denominação mais difundida na Catalunha e na Comunidade Valenciana para designar os homens vestidos de soldados romanos que desfilam nas procissões da Semana Santa, representando os soldados que guardavam Jesus Cristo.
Não faltam atividades de ócio e entretenimento, como os festivais de cinema, teatro, dança e música, exposições de artes, competições náuticas, competições de ciclismo, competições de inverno, corrida de cavalos e uma enormidade de museus de todo tipo (pintura, escultura, ciências naturais, arqueologia, etc.). Grande parte herdada da época em que os romanos ocuparam a península, começando em 218 a.C. e concluindo a conquista em 19 a.C. com César Augusto, ficando a península ibérica sob domínio romano até o século V quando chegaram os visigodos, e depois em 711 d.C. chegaram os muçulmanos. As festas romanas foram as mais responsáveis pelas tradições festivas da península, mas os demais conquistadores também deixaram sua marca.
Certas províncias ficaram famosas por algumas de suas festas e atrações. Por exemplo, na Catalunha os “Castells” (castelos, em catalão – Imagem 2), uma torre humana de vários andares em forma de pinha (na ponta da pinha geralmente sobe uma criança) que data de mais de 200 anos, iniciou na província de Tarragona e se estendeu por todo território catalão. Foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2010 pela Unesco.
Feria de Abril
Em Sevilla ocorre uma das festas mais famosas da Espanha, a Feria de Abril (Imagem 3) que difundiu por todo o mundo os maravilhosos vestidos ajustados ao corpo e com camadas de babados e volume na parte de baixo, que valorizam os corpos das espanholas que levam os cabelos recolhidos em coques adornados com vistosas flores. A famosa dança é acompanhada das castanholas e do violão, chamado na Espanha de guitarra española, e a feria dura vários dias e toda a cidade funciona em função destas atividades.
Vídeo da apresentação de sevillanas, a dança típica espanhola, com a guitarra espanhola (violão) e as castanholas.
E os tomates da famosa festa da cidade de Buñol, La Tomatina? 100 toneladas de tomates são jogadas numa multidão impensável em tempos de pandemia. Veja o vídeo que divertido (e nojento, para quem não está no clima):
Procissões de sangue
A Semana Santa do Brasil é muito tranquila. Já na Espanha…as crianças desavisadas podem ter muitos pesadelos com os homens encapuchados que participam das procissões do silêncio que inundam toda a Espanha. Foram os franciscanos que iniciaram no século XIII as chamadas procissões de sangue, durante as quais ocorriam castigos físicos e representações relacionadas à paixão de Cristo. Atualmente as procissões são organizadas por irmandades ou confrarias repletas de homens que portam chapéus pontiagudos; na 6ª feira e no sábado as procissões são de penitência, e no domingo, de glória.
Durante a noite da Sexta-Feira Santa, os membros encapuzados da irmandade de Cristo de la Buena Muerte e Nossa Senhora, Rainha dos Mártires, desfilam em silêncio. Eles caminham pelas ruas estreitas da cidade velha iluminadas pela luz das velas.
E assim poderíamos passar pelas 611 maiores festas espanholas, e ainda umas tantas outras centenas dos seus povoados. Mas a mensagem aqui é que a história da Espanha é repleta de batalhas, guerras civis, duas guerras mundiais e muitas invasões e retomadas por diversas culturas diferentes ao longo de mais de dois mil anos, e que este povo lutador soube superar suas dificuldades com muita alegria, celebração e gratidão pela vida. Está tudo expresso em suas festas e na forma como socializam nos bares espanhóis.
Pois é o bar o outro forte instrumento de socialização do povo espanhol. Mas atenção: o bar na Espanha tem um caráter diferente do bar no Brasil. Lá, o bar é o local onde amigos e família se reúnem para tomar café-com-leite ou cerveja, para fazer o vermute (aperitivo com as famosas tapas e bebida doce tipo Martini geralmente tomado aos sábados e domingos entre as 11 e 13:00 horas com a família e amigos), para fazer o almuerzo (lanche reforçado diário a meia-manhã). É onde se discute sobre tudo: política, futebol, trabalho e toda classe de assunto e a base de muito falatório, geralmente alto (os espanhóis em situação informal, em geral, falam muito alto).
Você vai encontrar até 7 bares ou mais em um único quarteirão! De acordo com as estatísticas, há 1 bar para cada 175 espanhóis, segundo os dados da consultora Nielsen. Dizem os espanhóis que os bares são o que permite que não ocorram novas guerras civis, pois são a válvula de escape do povo.
Cada país com sua cultura encontra sua forma de socializar. A beleza do encontro é ornada com as roupas, as músicas, as comidas e a união que os costumes passados de geração em geração promovem nas comunidades. A Espanha realiza tudo isso muito bem! Olé!
Fontes das Imagens
1 a 3: Arquivo pessoal fotos de Maria Pilar Arantes
4: Wikipédia: Castell
5 a 7: https://www.spain.info/es/consulta/fiestas-espana/
8: https://www.elmundo.es/
Vídeo Gegants: Maria Pilar Arantes
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