A possibilidade de brincar com o espaço através da montagem de polípticos e o trabalho de jovens autores são alguns dos destaques apontados por Lucila Horn, artista, curadora, produtora à frente da organização da 5ª edição da Feira Arte Foto. Durante um mês, as fotografias serão apresentadas ao público de forma híbrida: em exposição virtual e presencial, na Helena Fretta Galeria de Arte, parceira do Núcleo de Estudos em Fotografia e Arte (NEFA), realizador do evento.
A principal feira de fotografia de Florianópolis, já consolidada no calendário cultural de Santa Catarina, acontece de 9 de outubro a 9 de novembro e conta com agenda de conteúdo on-line.
Nesta entrevista, a artista graduada em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Santa catarina (UDESC), onde faz doutorado, nos fala sobre o desafio em encarar um mercado cultural desvalorizado, que chega a colocar em risco a manutenção do próprio espaço físico do NEFA. Também conta sobre sua intenção de dar visibilidade à produção da fotografia no campo da arte; a necessidade de entender toda a cadeia produtiva da fotografia, que envolve diversos atores, sobre o percurso do núcleo no cenário da arte catarinense e de parcerias internacionais.
ArqSC – Como foi a criação do NEFA? Nos conta sobre a sua trajetória e os desafios neste contexto cada vez mais difícil de atuação na área cultural.
Lucila Horn – O NEFA nasceu em 2014 como um desdobramento da DUO arte e produção, produtora que realizava cursos e projetos em fotografia, em parceria com a produtora Lu Renata, que desde 2004 desenvolveu inúmeros cursos, principalmente com fotógrafos de fora da cidade, como uma forma de alimentar o nosso próprio desejo de aprender, estudar e expandir os horizontes.
Nossa trajetória inclui cursos, oficinas, palestras, colóquios e a criação do Festival de Fotografia Floripa na Foto em 2010 e o ELFA – Encontro de Livros de Fotografia de Autor em 2011, parceria com a Editora La Luminosa e a Fotógrafa Laura Lavergne da Argentina. Com estas experiências, sentimos a necessidade de focar em dois aspectos que fazem parte da nossa formação: a arte e a educação. Também com a intenção de dar visibilidade a produção da fotografia no campo da arte feita aqui na nossa ilha, entendemos que precisávamos de um lugar de formação continuada, espaço de estudo e de troca, que pudesse criar um diálogo com outros produtores da fotografia de Santa Catarina, do Brasil e da América Latina.
Em 2014, o NEFA iniciou com uma turma que se reunia no Espaço da Multicor Atelier de impressão. Após um ano, abrimos uma nova turma e resolvemos que precisávamos de um espaço que agregasse os grupos de estudo e a Biblioteca do ELFA. Em 2016, Lu Renata se desligou da Duo Arte e Produção e do NEFA para seguir sua carreia acadêmica. Hoje, o núcleo é coordenado por mim, cada projeto tem outros orientadores, e o nosso objetivo principal é agregar cada vez mais pessoas interessadas em estudar e desenvolver projetos e pesquisas em e com fotografia.
Nosso principal desafio encontra-se na falta de valorização da arte e da cultura em geral, o que coloca em risco a manutenção do espaço e a remuneração dos orientadores. Outra questão que temos trabalhado desde o inicio é o entendimento e desenvolvimento de uma cadeia produtiva onde todos os atores são considerados fundamentais para o processo. A cadeia envolve o artista/fotógrafo, a formação, o printer, o galerista, o montador, etc, que tornam possível o encontro da arte com o público.
ArqSC – Quais são as ações desenvolvidas pelo NEFA na área da fotografia e como avalias a contribuição do núcleo para o crescimento do campo da fotografia em Santa Catarina?
LH – Temos atualmente 3 grupos que se encontram semanalmente, de forma virtual no atual contexto, sendo que um dos grupos já desenvolveu autonomia e se transformou no Coletivo 7Mulheres.
Em 2018, o NEFA passou a atuar também em Balneário Camboriú em parceria com Marcelo e Flávio Fernandes, coordenadores do BC Foto Festival. Com o amadurecimento dos grupos e o desenvolvimento de projetos individuais, passei também a atender demandas pessoais de alguns artistas e em 2019 agregamos ao nosso espaço uma sala experimental de exposições para ser utilizada pelos participantes como ampliação dos estudos.
Acabamos de iniciar o processo de cursos online, um deles ministrado por Ana Sabiá, e outro que acontecerá no início de outubro com Viviane Baschirotto. Temos também dois projetos acontecendo neste momento: o NA FOTO Residência Cartografias Catarinenses, contemplado pelo Edital Elisabete Anderle 2019, que selecionou através de convocatória 12 artistas de diferentes regiões do Estado para este processo orientado por mim e por Ana Soukef, com participação de Laura Lavergne, Marcelo Greco e Rosely Nakagawa. O outro projeto é uma Missão Fotográfica NEFA BC, aprovada pela Lei municipal de Cultura de BC e envolve 10 fotógrafos, orientados por mim, por Marcelo Fernandes e Marcelo Greco, para desenvolver uma missão fotográfica que abordará diferentes aspectos da cidade.
E realizamos em Florianópolis anualmente o ELFA e bianualmente o Festival de Fotografia Floripa na Foto, além de sermos parceiros do projeto Varal Virtual da Trajano e do BC Foto Festival, que acontece anualmente em Balneário Camboriú. Por conta da pandemia, a realização foi adiada para 2021.
“A resposta do público foi melhor do que eu mesma esperava, a exposição teve uma excelente visitação, diálogos interessantes com o público e até vendas”.
ArqSC – A Feira Arte Foto é mais uma das ações do NEFA, como foi a primeira edição, o crescimento da feira, como o mercado se comportou em relação a valorização da fotografia autoral, o reconhecimento do fotógrafo e, ainda, a compra?
LH – Em 2016 sentimos a necessidade de ampliar a visibilidade às pesquisas desenvolvidas pelos artistas participantes do NEFA, e ir além das exposições dentro do Festival Floripa na Foto. Já tínhamos uma parceria com Helena Fretta Galeria de Arte, com a realização de algumas exposições individuais e mostras nacionais e resolvemos apostar na ideia de uma feira voltada para a fotografia autoral. A resposta do público foi melhor do que eu mesma esperava, a exposição teve uma excelente visitação, diálogos interessantes com o público e até vendas.
De lá para cá, sentimos que houve um amadurecimento do público, e nosso e dos artistas também. E sabemos que este é um processo de formação, pois a cada feira fomos realizando conversas, esclarecendo os conceitos e como funciona a cadeia produtiva envolvida. Pois a fotografia é muito recente no campo da arte se comparada aos processos tradicionais da arte.
ArqSC – A fotografia, principalmente como fine art, tem ganho cada vez mais espaço nos projetos de interiores. Como avalias este mercado?
LH – Tenho certeza de que este mercado está atendo para qualidade tanto artística/estética como em relação aos materiais e suportes empregados. Em 2015 quando fiz a curadoria da Galeria Circuito para a Casa Cor, senti uma grande desinformação tanto do público, quanto dos arquitetos e monitores. Um exemplo é que muitas imagens que compunham os espaços nem sequer levavam o crédito do autor, com algumas exceções.
Vejo hoje um outro entendimento e uma clareza da diferenciação em aquilo que é decorativo e descartável, daquilo que compõe com o espaço como identidade de quem o ocupa, e por isso, não descartável, portanto, merece a qualidade de uma impressão que traz durabilidade.
Ainda temos um longo caminho para que o valor autoral/artístico seja também valorizado.
ArqSC – Recentemente aconteceu a SP-Arte de forma totalmente virtual e segundo a diretora do evento, Fernanda Feitosa, a edição trouxe um sopro de esperança sobre o futuro do mercado das artes neste momento tão delicado. A 5ª edição da Feira Arte Foto será em cenário virtual e presencial. Como está a expectativa neste novo formato e quais os desafios?
LH – O momento é de suspensão mesmo, chegamos a pensar em não realizar o evento este ano. Mas desafios são sempre bem vindos… rss, e nossa expectativa é muito boa. Optamos por este formato híbrido (virtual/presencial), pois assim teremos a possibilidade de alcançar um público para além das fronteiras da cidade, e ao mesmo tempo receber com segurança o público local que já está acostumado a ir até a galeria.
“Como desdobramento desta parceria estamos construindo um projeto que pretende fazer uma convocatória para levar o trabalho de fotógrafos/artistas catarinenses para uma exposição multimídia dentro de um Festival de Fotografia que acontece na França”.
ArqSC – A feira se consolida como plataforma de intercâmbio cultural e artístico entre admiradores desse segmento das artes. Nesta 5ª edição ganha caráter internacional, como se dará essa relação entre Brasil-França?
LH – Nossa relação com a Plataforma Iandé inicia através desta edição como uma possibilidade de ampliar o alcance do projeto e os artistas envolvidos. Teremos também como um dos eventos realizados durante a Feira, uma conversa sobre fotografia brasileira na França com a equipe da plataforma. Como desdobramento desta parceria estamos construindo um projeto que pretende fazer uma convocatória para levar o trabalho de fotógrafos/artistas catarinenses para uma exposição multimídia dentro de um Festival de Fotografia que acontece na França.
ArqSC – Quais destaques da feira você apontaria para as pessoas ficarem de olho?
Esta edição da Feira está particularmente interessante. Temos como uma das características a presença que alguns polípticos que trazem a possibilidade de brincar com o espaço expositivo através de montagens diferentes. Outro destaque são os trabalhos de jovens autores que trazem ao mesmo tempo crítica e frescor nas suas pesquisas. Vale a pena prestar atenção nos recortes voltados para a contemplação e a relação com a natureza, tão sentida na nossa conjuntura atual.
Se me fizeres esta pergunta amanhã, terei novas respostas, pois a exposição composta por mais de 30 artistas vai da fotografia documental, as colagens de apropriação fotográfica, do quimigrama, a fotografia pintada. Em um mês vamos poder descobrir muitos universos autorais.
CONVITE: live com Lucila Horn dia 2, às 17h, no instagram @portalarqsc.