Mais do que um trabalho de equipe, costuma-se considerar arte composta aquela que envolve um trabalho criativo para onde confluem múltiplas autorias, como por exemplo, um espetáculo de dança, um concerto, uma peça de teatro, um filme. Em cada uma destas empreitadas o olhar, a sensibilidade e o empenho de cada participante implica no resultado final que está para além de cada indivíduo, pois o desfecho está relacionado à composição do grupo, sendo que o entrosamento, a confiança e o desempenho interferem diretamente. Foi isto que aconteceu com a exposição Sobre Viventes, de Juliana Hoffmann, ocorrida no segundo semestre de 2019, na Galeria Helena Fretta em Florianópolis.
A artista não apenas convidou uma curadora, mas abriu seu ateliê para uma equipe curatorial, enquanto estava em processo de elaboração das obras.
Com isto, permitiu que jovens mestrandos e doutorandos, além de uma supervisanda de pós-doc, todos na linha de Teoria e História da Arte do PPGAV- CEART-UDESC, pudessem acompanhar com muita proximidade questões relativas às escolhas poéticas e conceituais, soluções técnicas e de fatura, refletissem sobre definições de arquivo e acervo, particularmente considerando o caso específico de uma trajetória artística mais amadurecida. Assim, tocados por diferentes afecções, todos foram envolvidos e afetados reciprocamente, o que incluiu a própria galerista.
Decorrente deste processo, nasceu a ideia de um catálogo que, além da equipe curatorial, também optou por incluir diferentes olhares sobre a artista, tais como de críticos, curadores e outros artistas. Fruto de um edital patrocinado pela Fundação Catarinense de Cultura, com recursos do Prêmio Elisabete Anderle de Apoio à Cultura e às Artes, o catálogo se constitui como um registro documental importante e diversificado, alentado por um primoroso projeto gráfico em edição bilíngue. Nele se abrigam textos que consideram a potência imagética das florestas e árvores, sua atualidade temática e força política, bem como a sobrevivência da vida vegetal na arte e suas fantasmagorias. Mas também cabem abordagens sobre a pintura, o ateliê, os registros mnemônicos da infância e o vínculo com outras exposições de Juliana Hoffmann.
Fragmentos de textos do catálogo
Dois anos depois de iniciada esta jornada, a publicação será lançada no dia 11 de fevereiro, 19 horas, através do canal no Youtube da Humana Sebo e Livraria. Artista, equipe curatorial, convidados e demais participantes poderão conversar melhor sobre detalhes da exposição e do catálogo. A seguir, o leitor pode conferir alguns fragmentos dos textos que integram o catálogo.
Obra da série Sobre Viventes, de Juliana Hoffmann.
Entre as principais qualidades de um artista está sua capacidade infinita de imaginação e criação, somada ao trabalho duro e incansável de todos os dias. Assim é Juliana Hoffmann, artista de ofício (…). Como galerista que a representa, tenho acompanhado sua trajetória de pesquisa, força e determinação. Helena Fretta
Somente nos últimos anos, organizando meu arquivo de fotos, consegui entender de que forma meu trabalho, resultado de um processo intuitivo compulsivo, foi desdobrando-se. Juliana Hoffmann
Sem tomar para si uma causa ou bandeira que se sobrepõe ao pensamento plástico, em seus trabalhos mais recentes, observa-se um vínculo entre natureza e devastação ambiental. Rosângela Cherem
Juliana Hoffmann pinta, fotografa e borda as árvores, numa ação quase premonitória desses acontecimentos. Suas florestas não são verdes e exuberantes como aquelas que costumamos reconhecer quando se ilustra esse tema. Ao contrário, são densas camadas de árvores em tons de sépia e marrom escuro que nos trazem a sensação de quase sufocamento. Flávia Person
Em uma primeira visita ao Ateliê de Juliana Hoffmann, uma cena entre os sedutores e irrequietos quadros e fotografias destaca-se: a tranquilidade de uma poltrona de leitura perto da janela, e, ao seu lado, um livro com marcações sobre a mesa, aguardando a continuidade de sua leitura. Thays Tonin
Na exposição Sobre Viventes, vê-se uma pintura em formato retrato (vertical), cuja cor predominante é um amarelo médio, tomado por manchas escuras que partem do centro da imagem, diluídas como uma névoa. Andrey Parmigiani
Foi uma alegria ver um trabalho seu exposto na antessala do Reitor da UFSC. Ela tinha crescido, era uma artista já reconhecida, e eu ainda a via como uma criança. Ela só tinha dezessete anos. Maria Esmênia
Tenho encontrado certa dificuldade para me emocionar diante da produção das artes visuais dos dias atuais. Poucos trabalhos movimentam-me internamente com vigor ou conseguem tocar meu inconsciente, meus instintos, minha alma. Onor filomeno
A floresta de Juliana Hoffmann é uma trama de formas e de cores que busca uma experiência poética e singular na construção de visualidades. Ao habitar e agir sobre as florestas, constrói e exerce uma espécie de arquitetura da subjetividade. Josimar Ferreira
Eu a vi pintar um revoar de sombras dentro da floresta.E então me sussurrava: Eu busco a escuridão e o respiro das árvores. Floriano Martins
As pinturas inspiram-se, tanto na qualidade luminosa e espectral das pequenas páginas de livros perfuradas, como nas memórias da floresta original, mas desenvolvem, com uma majestosa melancolia, algo maior e mais assertivo. Nisso, a artista vai de uma delicada seleção de objetos efêmeros e frágeis a demonstrações pictóricas ousadas e declaradas sobre a luta para encontrar luz numa escuridão sempre invadida. Kenneth G. Hay
A vaga impressão de que uma biblioteca extinta foi parar naquele espaço expositivo. É como aquele ruído que acompanha as transmissões radiofônicas de ondas curtas: as mensagens, por vezes, acabam obliteradas pelo chiado. Eu entrei lentamente e saí transformado, com um punhado de pensamentos, cuja categoria tende à digressão, ou seja, o afastamento do assunto principal. Irei aqui destilar algumas dessas observações. Fernando Boppré
Essa forma de pensamento que ressalta a paisagem como arte, materializada nas variantes das pinturas, impressões e instalações, privilegia o sentido da visão que reverbera nas afecções possíveis diante das imagens realizadas pela artista. Juliana Crispe
A artista apresentou um conjunto de telas, ora transbordando em emoções através de luzes em tons azuis e verdes pulsando diante do negro predominante de suas florestas, ora revelando um silêncio sufocado de tons terra ocupando todo o plano. As paisagens inventadas denunciam desmatamentos, queimadas, soterramentos, tragédias reais que a artista traduz sensivelmente para uma poética pictórica dando vazão às suas próprias paisagens. Susana Bianchini