- matéria publicada originalmente no Archtrends, escrita pela jornalista Simone Bobsin, e reeditada para o Portal.
Uma arquitetura não é apenas uma arquitetura. Não é somente o ponto de vista concreto. Para além do objeto, uma arquitetura também é uma subjetividade, uma expressão, uma experiência. “É vida”, me disse Marcelo Ferraz em uma entrevista, há alguns anos. A arquitetura sucede desejos, valores e traduz uma poética construtiva como na contundente obra do escritório Brasil Arquitetura, da qual Ferraz é sócio fundador junto com Francisco Fanucci.
A casa ateliê projetada em Florianópolis traz consigo o conjunto de aspectos distintos da atuação do escritório como o repertório construído a partir da proximidade de Ferraz com a obra de Lina Bo Bardi, com a qual trabalhou no início da carreira. A formação intelectual, a relação com a escola paulista, as obras de intervenções em patrimônios históricos são características presentes na expressiva produção da dupla, mundialmente reconhecida por projetos em museus, centros culturais, teatros, escolas e residências.
Casa ateliê: “aquilo que você vê, é”
O partido para a construção da casa ateliê em Florianópolis (SC) foi estabelecer um diálogo entre duas edificações, a casa propriamente dita inserida num pequeno lote de esquina, e um sobrado antigo que fica do outro lado da rua, de arquitetura luso brasileira tradicional do início do século XIX. A nova casa e o sobrado são de propriedade da arquiteta especializada em patrimônio, Maria Isabel Kanan.
Na época em que trabalhava no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Maria Isabel conheceu o arquiteto Marcelo Ferraz, cujo escritório tem vasta atuação em projetos relacionados ao patrimônio histórico e cultural. Quando foi construir a sua casa, a escolha foi naturalmente pelo Brasil Arquitetura.
A casa encaixada no lote respeita a topografia e tira partido dos desníveis para a implantação de dois volumes separados por um pátio, porém conectados por uma passarela. Além disso, o projeto com dois pavimentos tira proveito do belíssimo visual da Lagoa da Conceição. A arquitetura apresenta traços da escola paulista como o uso do concreto aparente nas lajes e no muro de sustentação. Estabelece, desta maneira, um diálogo entre a tecnologia contemporânea e a tradição antiga que vem das construções de cal, com uso de pedras simples e materiais despojados. “Aquilo que você vê, é…”, disse o arquiteto na época da construção – a obra foi finalizada em 2019. As paredes são brancas caiadas, o piso em pedra branca “goiás” e as esquadrias de madeira.
Os arquitetos buscaram referência nas embarcações tradicionais do litoral para a escolha dos tons vermelho e azul que colorem parte da madeira em alguns dos ambientes da casa. Esse recurso reforça o geometrismo proposto pelo projeto. A casa ateliê tem coautoria no projeto de Cícero Ferraz Cruz. Equipe de Projeto: Anne Dieterich, Gabriel Mendonça, Julio Tarragó, Laura Ferraz, Luciana Dornellas, Pedro Renault, Roberto Brotero, William Campos. O projeto foi executado pelo arquiteto João Edmundo Bohn Neto.