Carlos Augusto Lira certamente é protagonista de uma das boas histórias de Recife. O arquiteto pernambucano, que logo completa 70 anos de uma trajetória bem vivida, é um confesso apaixonado pela arte popular e dedica seus dias com extrema paixão e respeito às criações lapidadas pelos artesãos de Pernambuco e diversas partes do país que expressam a força e diversidade do Brasil.
Não é à toa que ele é considerado um dos maiores – se não o maior – colecionador de arte popular brasileira da América Latina. São mais de sete mil peças que formam seu acervo. Boa parte encontra-se na Reserva Técnica e outra na sua própria casa. E abro parênteses para destacá-lo como um anfitrião e tanto!
É numa residência que integra um conjunto tombado localizado na Praça de Apipucos, região nobre do Recife, que ele mora há 40 anos. E também onde recebe diariamente amigos e pessoas interessadas na sua coleção e amizade sincera. Eu fui uma das sortudas. Nos conhecemos numa viagem à Patagônia, no Chile. A empatia foi imediata.
Carlinhos – como o apelidei carinhosamente – é uma pessoa de muitas histórias e poderia passar horas e horas ouvindo as inúmeras que movimentam - até hoje – a sua invejável memória. O magnetismo também é ponto notável. Todo mundo quer estar por perto para aprender e apreciar esse olhar especial que ele tem sobre a vida, sobre as coisas, que nutre sobre a arte de maneira tão livre e íntima. O foco do interesse está na intenção do processo do seu artífice/artista, sem classificar graus de importância ditados por peritos no assunto. As coisas o atravessam em potência de sentidos, ganham lugares únicos, não apenas expositivos.
Assim, desbravando o seu lar doce lar, de fachada estreita e corpo comprido, percorri os cinco desníveis da construção. Desemboquei no terreno ao fundo, onde corre o rio e o ar fresco acaricia a nossa pele. O tour pela casa não deixa de lado seu canto íntimo, o quarto. Ali ele abre a gaveta da cômoda e mostra com entusiasmo os tecidos africanos recém descobertos em viagem. Seu coração é grande para abraçar todas as belezas do mundo.
Na visita guiada avisto um banco de Espedito Seleiro, passo por um esboço de Tarsila do Amaral, encontro o traço de Volpi em meio a esculturas de arte sacra do final do século XVIII em cena com mobiliário do século XIX. Observo Carlinhos, o brilho no olhar. Ele fala com encantamento. Apenas admiro. A vontade de partilhar é tanta que ele acaba de lançar um livro “A lírica de Carlos Augusto Lira”, a convite da doutora em antropologia Ciema Silva de Mello. Uma coleção de “Brasis” que ele nos oferece como presente.
Arquiteta Juliana Pippi esteve em Recife, Pernambuco.