Goethe já colocava a arquitetura como música congelada. Diversos estudiosos da arquitetura, teóricos e historiadores “procuram descobrir quais são as relações existentes entre a música e a arquitetura. Alguns discutem sobre como a arquitetura influencia a música: como a evolução da música clássica ocidental é baseada na acústica de acordo com seu espaço de atuação”. (Legrand.com)
A música é a arquitetura do tempo, e a arquitetura é a música do espaço”. (Mário Quintana).
Eu me propus desenvolver esse tema por motivos muito pessoais. Sou arquiteto e urbanista formado em 1979 na UFPE com Pós-Graduação na UFRGS e UFMS, autor de livros e ao mesmo tempo sou poeta, músico e compositor com dois livros de poesias ( A Invenção do Silêncio 2017 e A Simplicidade do Abismo 2020) e dois CDs gravados e disponíveis nas plataformas musicais ( Água de Viver 2018 e Régua e Compasso 2020). Com a edição do segundo CD – Régua e Compasso -, eu comecei a escrever a letra dessa música que dá título ao CD e vi as relações, semelhanças e diversas interposições existentes entre a música e a arquitetura.
Desde Vitruvius, passando por Le Corbusier e Lúcio Costa, dentre outros, esse assunto tem olhares que se entrelaçam e merecem, de nós arquitetos e urbanistas, para além de nossas funções e formações, um certo encantamento com o nosso fazer. Há filmes, livros, teses e dissertações e artigos que mostram esse encontro de caminhos do processo criativo. Não me refiro a obras de arquitetura que são mimesis de marcos, de equipamentos e itens musicais, como essa abaixo.
GALHARDO (2010) nos diz assim:
o que é música se não a combinação entre som e silêncio? E arquitetura? Não seria a união entre a arte e a técnica de planejar e modificar o espaço? Termos musicais, como ritmo, textura, harmonia, proporção, dinâmica e articulação fazem referência tanto à arquitetura quanto a música. Ritmo na música se refere ao conjunto de sons que formam a batida; na arquitetura, está relacionado com a repetição de elementos. A textura musical envolve sobreposições de sons e ritmos produzidos por diferentes instrumentos, arquitetonicamente se expressa no uso dos diversos materiais. Harmonia é o equilíbrio do som na composição ou o das partes no conjunto da obra arquitetônica. Proporção é a relação entre as partes, na música se dá pela distância entre as notas ou intervalos. A dinâmica é a qualidade da ação na música ou se mostra na fachada do edifício, conforme mostra a figura abaixo. Acessa aqui.
E foi exatamente com essa compreensão dos valores de uma estrutura musical e a estrutura de um projeto de arquitetura que escrevi a letra de Régua e Compasso em 2018, assim:
RÉGUA E COMPASSO (arquitetando a música)
Letra e Música de Ângelo Arruda.
Pensei
Cantei
Refleti
Viajei
Naveguei
Aprendi
Tudo o que eu faço
Régua e compasso
Nada é prá mim
O meu espaço
Revolta em pedaço assim
Tentei
Procurei
Resisti
Acalmei
Separei
Consegui
Todo o meu traço
Risco escasso
Guardo prá mim
Quando eu refaço
Sinto o cansaço
Em mim
Separei
Rascunhei
Entendi
Desenhei
Acabei
Compreendi
O fazer arquitetônico tem muito do fazer musical. Os dois são muito parecidos na sua trajetória. Seja por encomenda seja por indução ou seja por criação livre, música e arquitetura tem caminhos iguais. Em primeiro lugar a busca pela inspiração e pela transpiração (sonho e sangue), a busca das referências, o desejo de criar, de desenhar, de esboçar, de fazer os estudos técnicos, de finalizar, mixar, gravar, construir, especificar, ver de pé a obra pronta, ver a música pronta e mandar para a gravadora ou o projeto aprovado ir para a execução em canteiro de obras. É tudo muito parecido demais. E foi assim que escrevi a letra acima e coloquei um ritmo com apenas duas notas musicais, dentro da linha less is more.
Já projetei prédios, comerciais e residenciais, casas, agências bancárias, prédios públicos e até um autódromo, sozinho ou com parceiros. E nos últimos 10 anos venho me redescobrindo como poeta – escrevo poesias desde 1975 -, e amo música desde criança, toco violão, tentei o violoncelo mas não me dei bem e nos últimos tempos, composições musicais. Então, é uma experiência maravilhosa que me levou para conhecer técnicas e processos de criação e execução musical e foi nesse momento que me vi fazendo música que refiz esse pensamento sobre o valor e o papel da música e na arquitetura.
Não há nada de mais fácil ou de mais difícil de fazer. Aprender o ofício é sempre importante, penetrar fundo no que faz. E essas lições que todos nós temos com a arquitetura, agora chega para a música. Abro novas parcerias, em qualquer lugar do nosso país, o mesmo que pode acontecer com a arquitetura. Tudo é muito igual. Cada um com seu lugar, mas com processos muito iguais. A música e a arquitetura no seu fazer tem muitas semelhanças.
Referências
GALHARDO, Mariana Simões. Música e Arquitetura. Trabalho de Conclusão de Curso da FAU/UNESP Júlio de Mesquita Filho, Bauru, 2010.
SITE http://www.legrand.com.br/blog/noticias/arquitetura-e-decoracao/a-musica-e-a-arquitetura
Ângelo Arruda é Arquiteto e Urbanista, poeta, músico e compositor, atualmente Vice-Presidente do IAB-SC.