Artista Jairo Valdati está no Masc com uma instalação que convida a pensar SC como Território Fragmentado
O artista Jairo Valdati, nascido em Jacinto Machado (SC), traz o campo de sua graduação, mestrado e doutorado em geografia física, para dentro de uma poética que se situa nos paradigmas da arte ambiental, uma tendência contemporânea que incorpora a natureza no conceito da obra, no espaço expositivo, quer seja a galeria, o museu ou o meio ambiente, a praça, o jardim, a floresta. A exposição Território Fragmentado, que integra a sétima edição do projeto Claraboia, no Museu de Arte de Santa Catarina (Masc), é uma instalação cujo referencial teórico abarca a discussão do território originalmente ocupado pelas espécies bióticas em detrimento a fragmentação realizada pela ocupação humana em Santa Catarina. A visitação se estende até 3 de fevereiro de 2019.
Cerca de 400 imagens aéreas, realizadas em 1958 com representações do território do Estado, estão impressas sobre papel numa medida aproximada de 80 x 100 cm. No espaço Claraboia do Masc, a partir de uma montagem singular, o artista instaura uma floresta reminiscente: as fotografias, adesivadas à parede e enroladas e acopladas umas a outras em formato cilíndrico, se constituem como esculturas que remetem aos troncos de árvores. Folhas de plantas secas, coletadas em remanescentes florestais de Santa Catarina, jogadas aleatoriamente pelo chão, reforçam o imaginário e a percepção de mata. No conjunto, são cerca de 150 esculturas, com diâmetro e altura variáveis. A curadoria é de Massimo Scaringella e Franzoi.
O curador italiano, Scaringella, situa um pouco do pensamento do artista: “A terra é indiscriminadamente receptiva: uma testemunha silenciosa. Esta é a história que o artista conta na instalação Território Fragmentado. […] Com seu trabalho, investiga o mundo com a chave da revisitação, no qual a fronteira natural/artificial é confusa, porém capaz de liberar uma beleza rara. Ele conduz sua própria obsessão criativa lúcida de acordo com uma versão epistemológica moderna, em que a natureza é agora uma citação, não mais viva da mesma maneira: é uma ideia, uma memória. Como o alquimista, ele transforma matéria orgânica em uma cópia sem copiá-la. Agora essa matéria é perfeita e sua ‘natureza’ se torna: bela, silenciosa e profundamente poética”.
Complexa e refinada, a produção de Jairo Valdati estimula reflexões, a começar pelo fato de ela desafiar o desejo de enquadramento conceitual. Nessa instalação, criada a partir de imagens feitas durante o governo de Jorge Lacerda (1914-1958) que respondeu pelo Estado entre 1956 a 1958, período em que se efetivou o primeiro Levantamento Aerofotográfico de Santa Catarina para auxiliar na expansão das estradas e nos estudos das bacias hidrográficas. Na apresentação dessas imagens, o artista coloca o observador no meio de um simulacro de floresta capaz de provocar um mergulho na memória geográfica do Estado. A partir de um inventário real, é possível pensar o que já não é mais, o que se foi, o que está irreversivelmente destruído, o que perdemos como humanos, como Estado e nação. Remontados em justaposição, sobreposição e repetição, os documentos do passado ajudam a interiorizar outras noções do tempo e espaço, algo que se dá na fruição entre a obra e o público. Por meio da memória lacerdiana, a instalação possibilita a construção de outros vínculos temporais, uma arapuca que sobrepõe o fim dos anos 1950, no século 20, e o 2018, no século 21. Entre o passado, o aqui e agora, o imediato e as projeções para o futuro, nesse emaranhado se estabelece a construção do sensível, uma espécie de fenda em que é possível se ver, identificar e criar distintas leituras.
Sem limites, aberto, híbrido, o trabalho se situa no entrecruzamento de escultura, gravura, fotografia, poesia – por que não? Uma poesia quase sem palavras que põe o dedo na ferida e demonstra o quanto o ser humano – nós! – podemos ser destrutivos com a terra e a própria memória, uma vez que os mapas em questão foram abandonados meio sem serventia.
Sobre o artista
Nascido em Jacinto Machado (SC), em 1969, artista e geógrafo. Vive e trabalha em Florianópolis (SC). Graduado em geografia, com mestrado em geografia física e doutorado em geologia, é professor no Departamento de Geografia da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), onde atua na área de biogeografia e geomorfologia. Paralelo à carreira acadêmica universitária, desenvolve seu trabalho artístico, no qual aplica conceitos científicos, como taxonomia, morfologia e distribuição das espécies e seus agentes, incluindo o homem. Sua poética discute a relação natureza e homem, o efêmero, os processos naturais. A trajetória e currículo atestam inúmeras exposições individuais em galerias privadas e espaços públicos, como museus e associações culturais, na Europa, Estados Unidos e Brasil. Em 2011 foi selecionado para a 54ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza. Participou da 4ª Bienal Del Fin del Mundo (2014-15), em Mar del Plata, Argentina, com a instalação Somos Folhas no Outono. Em 2017 integra a Bienal Internacional de Curitiba, com a série Hovenia dulcis. Ao mesmo tempo, participa do Polo de Santa Catarina desta mesma bienal, no Museu da Escola Catarinense (Mesc), em Florianópolis, na curadoria Antípodas Contemporâneas.
Entre as mostras individuais e coletivas, destacam-se: Passeggiando nei Giardini di Burle Marx (2006) na Galleria Magenta52 de Milão; …è elementare (2009), na Galeria Lo Sguardo dell’Altro de Modena; Tassonomia dell’Effimero (2011) no Festival Internacional da Filosofia (sobre o tema da natureza) em Modena; Memorie di un Naturalista Romantico (2012) na galleria Ufofabrik de Trento; Essential Landscape (2012) na Gum-Gallery de Miami, e Sobre a Natureza das Coisas (2013), na galeria Gabinete D Imagem de São Paulo, e, Oltre la visione (2016) no Castelo de Milazzo, Sicília. Em maio de 2017 participa do projeto Verso cieli azzurri promovido pela Unicef, em Noto, Itália. Em 2018 participa da coletiva Aterro Desaterro, em homenagem aos 70 anos do Masc, com a instalação Remanescentes.
Texto – Néri Pedroso, jornalista, integra a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA)
Serviço
O quê: Exposição Território Fragmentado
Quando. Até 3.2.2019. Terça a domingo, 10h às 21h
Onde: Museu de Arte de Santa Catarina (Masc), Centro Integrado de Cultura (CIC), av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, bairro Agronômica, Florianópolis (SC), tel.: (48) 3364-2629 / masc@fcc.sc.gov.br
Quanto: Gratuito