No Brasil, no dia 12 de outubro comemoramos o dia das crianças e no campo da arte muito se fala sobre resgatar a nossa criança interior. E na arquitetura? Bem, nela precisamos cavar mais fundo para chegar nesse lugar. Isso por que a arquitetura é, sobretudo, construção. E, portanto, muito mais fácil de seguir padrões. Ou regras. Temas que definitivamente não fazem parte do universo infantil, digamos, entre risos, transgressor. Embora a busca da criatividade seja um assunto sempre frequente no campo arquitetônico, o problema é que estamos procurando os mesmos métodos para ser criativos. A pasta do pinterest[1] é um recurso famoso para….criar o mesmo do mesmo. Padrões estéticos que se repetem a todo o momento. Mas, se precisamos falar da estética arquitetônica contemporânea, vamos antes falar da infância e da criatividade.
As pessoas costumam achar que as crianças são criativas, mas na verdade elas apenas conectam com mais facilidade as coisas que elas conhecem. Em grande parte porque seu repertório é mais limitado, mas também porque o pensamento infantil não está totalmente preso a regras e convenções sociais. É por isso que as crianças são capazes de olhar para o desenho de um chapéu e dizer que é uma cobra que comeu um elefante, como escreveu Antoine de Saint-Exupéry no seu livro o Pequeno Príncipe.
Os arquitetos que desejam olhar para seu lado mais lúdico, podem começar observando que, assim como as crianças, que estão sempre em movimento, criar coisas é uma atividade física, como sugere a cartunista Lynda Barry (2008). Isso quer dizer que a criação não é apenas mental, mas, sobretudo, uma conexão do corpo com a memória. Por isso lembrar, desenhar e escrever são ações justapostas. Tudo se conecta e o tempo, assim como as crianças, nunca para. Mas se ele só anda para frente, com a imaginação nós podemos voltar ao passado.
Bruno Munari (1907-1998), importante designer do século XX, dizia que “um dos modos mais usuais para anular qualquer possível ato de criatividade consiste em levar crianças a fazer um desenho sobre determinado tema, igual para todos, a realizar com instrumentos iguais para todos” (Munari, 2008, p. 194). Isso por que quase todas as crianças – de quase todo o mundo – pintam as mesmas coisas. Mesmo que mude a forma das coisas, os temas são os mesmos. As crianças e as pessoas pintam, e criam, o que veem, o que sabem, o que conhecem. Se mantiverem essa rotina, quando adultas pintarão as mesmas coisas, da mesma maneira. E bem, esse, é o problema.
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E porque esse padrão estético tem sido comum? Bem, Bruno Munari estava certo. Se olharmos para os mesmos temas e usarmos os mesmos instrumentos e materiais, criaremos as mesmas coisas, da mesma maneira. Sendo crianças ou adultos.
Arquitetura e arte encontram muitos pontos de conexão, embora sejam áreas de natureza distintas. Enquanto a arte demanda mais a criatividade, a arquitetura pode ser apenas o ato de erguer abrigos. E ainda que ambas sejam produto do meio em que são produzidas, a última sofre mais influência dos padrões estéticos. Estamos na era da diversidade e da pluralidade, mas a arquitetura que tem sido produzida no século XXI, em especial aquela para atender à classe média e alta brasileira, com frequência é criticada pela sua frieza e repetição. E porque esse padrão estético tem sido comum? Bem, Bruno Munari estava certo. Se olharmos para os mesmos temas e usarmos os mesmos instrumentos e materiais, criaremos as mesmas coisas, da mesma maneira. Sendo crianças ou adultos.
Um padrão estético é um conjunto de características visuais, reconhecidas dentro de uma sociedade. São formas, cores, proporções, texturas, harmonias e até mesmo histórias que demonstram elementos que se repetem em determinado contexto cultural. Padrões estéticos são mais do que tendências, porque definem o que é considerado belo ou atrativo em uma sociedade, enquanto uma tendência nem sempre se estabelece no conceito de beleza.
Mas entre o zeitgeist*[2] e a mesmice, existem outras possibilidades. Nas últimas décadas o passado, sob o tema da ancestralidade, tem sido abordado por muitos artistas e arquitetos em seus projetos e em suas perspectivas para o futuro. A última bienal de Arquitetura de Veneza, ocorrida em 2023, premiou os brasileiros Gabriela de Matos e Paulo Tavares com o Leão de Ouro pelo melhor Pavilhão Nacional. Ao partir da terra como o centro no qual converge tanto a formação brasileira, remetendo a um saber fazer ancestral, quanto às discussões ambientais com o uso de inovação nessas tecnologias ancestrais, a mensagem dos curadores brasileiros foi clara: precisamos olhar para futuros possíveis sem esquecer do passado.
Também se lembrarmos de 2023 e da última bienal de Arte de São Paulo, intitulada Coreografias do Impossível, é possível ver que muitas das obras expostas abordavam a ancestralidade. Em ambos os casos vimos recusas aos sistemas globais, acompanhadas de especulações sobre um futuro que se volta ao nosso passado. Mas para que isso aconteça, precisamos antes, voltar ao nosso próprio passado individual e à criança que habita em cada um de nós. Precisamos fazer como as crianças fazem, criam a partir de referências sem recorrer a convenções e regras sociais. Precisamos ver elefantes dentro de cobras e não chapéus. E, sobretudo, precisamos criar novas padrões estéticos. Somos capazes disso. Afinal, tudo pode ser, basta acreditar, sonhos foram feitos para sonhar[3].
Quando trabalhamos exercícios de criatividade, é comum ouvir que você deve descartar as dez primeiras ideias que tiver. Isso porque, com frequência, essas primeiras ideias costumam ser as mesmas entre as pessoas. A criatividade tem que ser estimulada. Bruno Munari dizia que é preciso fantasia para ser criativo. Para buscá-la podemos, assim como as crianças, jogar. Como? A resposta curta é: inventando maneiras de aprender algo novo, com o domínio de técnicas novas e compreendendo as regras da linguagem visual. Para isso, como arquitetos, podemos recorrer à arte de brincar.
A infância é um lugar da onde nunca saímos. A psicanálise está ai para nos mostrar. Mas, se não somos capazes de mudar nosso passado, podemos retornar a ele e mudar nosso futuro. Basta saber brincar. Feliz dia das crianças.
Das relações nascem coisas
Instrução
Deixe seu celular longe.
Lembre que nem tudo precisa fazer sentido. A arte tem o sentido que atribuímos a ela.
Agora pense em três coisas que você gosta muito. Pode ser de qualquer natureza, como três obras de arquitetura, três obras de arte, três peças de design, três livros….três qualquer coisa. Escreva dentro do círculo maior cada uma e, orbitando ao seu redor, três características marcantes. Agora busque conexões entre elas e ligue os pontos em si.
Lembre-se de jogar sempre que quiser imaginar conexões entre coisas distintas.
A infância é um lugar da onde nunca saímos. A psicanálise está ai para nos mostrar. Mas, se não somos capazes de mudar nosso passado, podemos retornar a ele e mudar nosso futuro. Basta saber brincar. Feliz dia das crianças.
Referências
Barry, Lynda. What it is. Estados Unidos: Drawn & Quarterly, 2008.
Munari, Bruno. Fantasia. Lisboa: Edições 70, 2018.
[1] O Pinterest é uma plataforma de mídia social e um motor de busca visual que permite aos usuários descobrir, organizar e compartilhar ideias em formato de imagens, vídeos e GIFs. Lançado em 2010, ele é amplamente usado para encontrar inspiração em diversas áreas, como moda, decoração, arquitetura, design, culinária, artesanato, entre outros (obs: nota de rodapé criada por Inteligiência Artificial).
[2] Zeitgeist é um termo alemão que significa “espírito do tempo” e se refere a um conjunto de ideias, crenças, comportamentos e influências que caracterizam uma determinada época (obs: nota de rodapé criada por Inteligiência Artificial).
[3] Música Lua de Cristal, da cantora Xuxa, famosa no universo infantil na década de 1990. Quem viveu, lembra.