O olhar pessoal e crítico do fotógrafo Leonardo Finotti sobre a arquitetura latino-americana poderá ser conhecido a partir do dia 6 de junho, na mostra Latinitudes, que acontece na Casa Canto, em Florianópolis. Na abertura haverá um talk com Finotti, que também é arquiteto de formação – suas fotografias estão presentes em museus importantes como MoMA (NY, USA),Carnegie Museum, (Pittsburgh, USA), MOT (Tóquio, Japão), Buendner Kunstmuseum (Chur, Suiça), Fundação EDP (Lisboa, Portugal), Itaú Cultural (São Paulo, Brasil) dentre outros.
As fotos selecionadas para a mostra em Florianópolis integram um trabalho maior, que durou sete anos, e levou Finotti a viajar por toda a América Latina. Uma parte foi levada para o MoMA, em um ensaio contemporâneo, a convite do próprio museu, que na época, em 2015, exibiu sua maior exposição de arquitetura latino-americana. Em 2016 publicamos no anuário ArqSC matéria de Silvia Penteado sobre a exposição no MoMA, onde cita a importante participação de Finotti.
Latinitudes foi concebida em 2015 em São Paulo, pela curadora Michelle Jean de Castro, e percorreu outras cidades, em diferentes formatos. O texto a seguir foi escrito por Gustavo Hiriart, para o catálogo da exposição ‘Latinitudes Montevideo’, realizada em Montevideo, em 2017, no Museo Zorrilla, da qual foi produtor executivo.
Leonardo Finotti: Latinitudes
Latinitudes é um projeto fotográfico em andamento, que busca expandir e intensificar a relação entre o artista-fotógrafo Leonardo Finotti e a arquitetura moderna na América Latina. O trabalho aproxima países com realidades distintas e o modernismo é a base sobre a qual Finotti elabora sua construção visual. Latinitudees combina as palavras “Latino” e “Latitudes” e propõe conjuntos de imagens das cidades de acordo com sua orientação geográfica.
A arquitetura moderna reflete um momento de otimismo passado, uma época em que arquitetura ainda representava um projeto coletivo. O indivíduo moderno é um ser em comunidade, que entende o progresso como uma plataforma para o bem-estar comum. O espaço moderno é fluido e público, mesmo em seus interiores e espaços privados. Em conjunto, essa arquitetura é a paisagem mais característica de nossas cidades, cenário privilegiado para sua concretização de um objetivo não exclusivamente privado.
Formalmente, esta arquitetura de vanguarda, nativa da Europa no início do século passado e estimulada por estilos figurativos, envolveu uma revolução na concepção de objetos. Libertada da composição clássica e de tudo o que era considerado supérfluo, a expressividade da linguagem moderna reside no espaço e nas formas abstratas. O que diferencia o racionalismo europeu do latino-americano é que seu universo expressivo é mais livre e menos preocupado com a serialização: cada projeto estabelece suas próprias regras de composição, e o usuário participa neste processo através da sua percepção. Além disso, noções de razão, verdade e pureza eram associados com tais edifícios da primeira metade do século XX, agregando um valor moral.
Através da rápida divulgação de obras de referência e o caráter messiânico de alguns de seus mais importantes representantes (impossível não citar aqui Le Corbusier) são resultados daquele que em meados do século seria chamado de Estilo Internacional. Essa nova cultura logo foi adotada na América Latina, porém com inovações e adaptações locais, que tiveram seu auge no projeto de Lucio Costa para Brasília e os principais edifícios projetados por Oscar Niemeyer. No entanto, como o professor Fernando Lara [1] afirmou, a historiografia da arquitetura está longe de contemplar a relevância do moderno na América Latina.
A aproximação de Leonardo Finotti com a fotografia da arquitetura moderna começou de maneira espontânea no Brasil. Um grande projeto sobre a obra de Niemeyer, por ocasião do seu centenário, motivou o trabalho transformando-o em pesquisa, e em uma coleção singular (que conta hoje com mais de 200 projetos fotografados). Outros projetos, como o que aborda as casas de Paulo Mendes da Rocha, permitiram-lhe o desenvolvimento de uma linguagem própria e refinada.
O que inicialmente era uma relação de empatia e de valorização da qualidade arquitetônica (Finotti também é arquiteto), com o tempo levou a uma necessidade autoral. A arquitetura moderna é hoje o melhor veículo para expressar o encontro entre espaço, forma, matéria e uma visão particular. Gradualmente, o artista começou a aparecer nas fotografias. Seu trabalho se destaca por sua organização visual, estrutura espacial, e um refinamento obsessivo. Uma busca inicial pela objetividade (que deixa de forma deliberada a pretensão de originalidade) foi transformada através da repetição em subjetividade. É a composição que produz a cena fotografada, como uma malha invisível que ordena as linhas e formas. É a projeção do discurso de Finotti sobre o espaço que surge e ressurge nas fotografias de Latinitudes.
Em 2015 o MoMA, em Nova Yor k, exibiu sua maior exposição de arquitetura latino-americana, Latin America in Construction: Architecture 1955-1980. Esta exposição celebrou o 60º aniversário de outra mostra, também no museu, Latin America Architecture since 1945 e anteriormente Brazil Builds, ambas apresentadas por olhares estrangeiros, Rosalie Thorne McKenna e Kidder Smith, respectivamente. Leonardo Finotti foi convidado pelo museu para fazer um ensaio contemporâneo, que além de estar presente na exposição, abre o catálogo com um portfólio pessoal (contendo entre outras 15 de suas fotografias que entraram para a coleção permanente do museu).
Esse trabalho, que durou sete anos e levou Finotti a viajar por toda a América Latina, deu origem a exposição que será exibida na Casa Canto. No entanto, ao contrário da exposição do MoMA, esta seleção de fotografias em preto e branco nos traz um olhar mais pessoal e crítico do fotógrafo.
Latinitudes foi concebida em 2015 em São Paulo, pela curadora Michelle Jean de Castro, com o nome de Identidade Latino-Americana exibida na Bolsa de Arte da mesma cidade. Nesse mesmo ano participou da Bienal do Mercosul em Porto Alegre, e com o nome Ecos del MoMA recebeu o primeiro prêmio na Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires. Também integrou a individual Latin America Collection, exibida na Galerie 94 na Suíça, junto ao primeiro volume do livro A Collection of Latin American Modern Architecture, editado por Lars Müller Publishers. O livro é um complemento ao projeto Latinitudes da presente exposição.
Finotti está atualmente preparando um segundo volume desta série em que contemplará outras nove cidades, pelo qual ele acaba de receber uma bolsa da Graham Foundation de Chicago.
1 . Fernando Luiz Lara dirige o grupo de investigação Latin American Modern Architecture na University of Texas, Austin.