Matéria publicada originalmente no Archtrends, da Portobello.
Linhas, fios e fibras são as ferramentas que artesãs paulistas utilizam como meio de expressão da sua identidade. Para além disso, a produção artesanal vem rompendo fronteiras sociais e tem conquistado espaços plurais, de galerias a mostras de design de interiores e projetos de alto padrão. A exposição EntreMeadas atesta esse momento de revalorização do fazer manual e, pode-se afirmar, recupera a dimensão estética dos objetos produzidos. “Ao contrário de se retrair, como muitos previam, o artesanato se expande na contemporaneidade. Nesse processo recente, há uma ressignificação da atividade, que alude a valores como calor humano, singularidade e pertencimento”, afirma a curadora, jornalista e historiadora do design Adélia Borges, que mapeou uma rica diversidade artesanal no estado.
Idealizada pelo Sesc São Paulo, a mostra dá destaque ao artesanato brasileiro feito por mulheres e valoriza o patrimônio cultural ao reunir cerca de 60 obras inéditas de artesãs e coletivos de 14 cidades paulistas, para as quais o artesanato é um meio de expressão, de afirmação de identidade e de geração de renda. Com riqueza de trançados, cores e formas, a exposição aborda desde o material escolhido, a comunidade de origem e a artesã criadora. “Os registros históricos da presença e resistência desses povos permanecem no fazer intelectual e manual da cultura do nosso país”, complementa Danilo Santos de Miranda, Diretor do Sesc São Paulo, no texto do catálogo da mostra.
“Essas descobertas foram uma surpresa para nós mesmas, pois quando se fala de artesanato, a associação imediata das pessoas é com o Nordeste ou com estados como Minas Gerais. Uma das razões para isso é, sem dúvida, o fato de as iniciativas locais de fomento serem bem mais tímidas aqui do que as similares promovidas por lá. Também se supõe que no berço industrial e tecnológico do país inexistiriam formas mais “arcaicas”, digamos assim, de produção”, comenta Adélia. A partir da constatação da qualidade desta produção, a curadoria optou pelo recorte geográfico, potencializando a produção selecionada. E para que o público possa explorar as obras produzidas em diferentes técnicas, e que revelam a complexidade do trançar, tecer, costurar ou bordar, algumas delas poderão ser manipuladas.
As peças também suscitam uma interpretação do artesanato como frente de resistência cultural e de empoderamento, o que reforça o lugar das artesãs enquanto autoras de suas histórias.
Patrimônio cultural
“O título EntreMeadas se refere tanto ao fato de evidenciarmos um patrimônio precioso de nossa cultura que estava enredado, sem a visibilidade que merece, quanto ao universo dos materiais aqui presentes. Quando falamos de entrelaçar fios, do fazer têxtil, falamos também do tecido social em que vivemos. E, acima de tudo, da capacidade de, juntas e misturadas, mulheres de diferentes gerações, procedências e classes sociais reinventarem poeticamente o nosso mundo”, reitera Adélia, que tem uma relação estreita com o artesanato. A crítica realizou exposições e palestras, no Brasil e mundo, sobre a linha tênue entre o design e o artesanato, acumula 40 exposições e 16 livros, entre eles Design + Artesanato: O Caminho Brasileiro (2011), no qual traça um panorama da revitalização recente do objeto artesanal brasileiro.
Adélia nos lembra que a valorização do fazer manual é um fenômeno global, que atinge países desenvolvidos ou em desenvolvimento. “Um fórum que vem mapeando essas iniciativas e promovendo reflexão a respeito delas é a conferência acadêmica Making Futures, realizada desde 2009 pelo Plymouth College of Art, na Inglaterra. Ela investiga o artesanato, o movimento maker e a arte como potenciais “agentes de mudança” na sociedade do século XXI, apontando a emergência de uma estética de produção e consumo com base em movimentos de pequenos artesãos”.
Artesanato e transformação social
Ao reunir e expor esse acervo, a mostra também possibilita que associações, comunidades e artesãs tenham seu trabalho (re)conhecido pelo caráter de transformação social que imprimem em suas localidades. Um exemplo é o coletivo Mulheres Artesãs da Enseada da Baleia (Cananeia), que trabalha com a reutilização de redes de pesca de camarão. Há também obras dos quilombos Ivaporunduva e Sapatu (Eldorado) e Banarte (Miracatu), que usam as fibras das bananeiras como matéria-prima para suas criações – isto possibilita o aproveitamento integral da planta e evita o desperdício.
Há grupos que utilizam os trabalhos têxteis como suporte para a aproximação e comunicação. O Piradas no Ponto, por exemplo, reúne-se mensalmente no Parque Trianon, na Avenida Paulista, no que define como um “uso poético do espaço público”. Seus bordados contam narrativas e em vários casos problematizam situações para reflexão e discussão, como os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho. Já Rendeiras de Aldeia, iniciativa criada a partir de um curso de alfabetização em Carapicuíba, possibilita que mulheres usem suas memórias e técnicas manuais para a geração de renda. Destaque para Wilma de Fátima da Silva, uma das rendeiras que levou a Renascença (bordado feito em círculos que irradia por tecidos) para o grupo e ganhou o prêmio de Mestre da Renda Renascença pelo Ministério da Cultura.
Expografia
Tramas têxteis, tramas com fibras, bordados, fios e linhas inspiraram a concepção da expografia, concebida pela arquiteta Adriana Yazbek.
O espaço é formado por uma grande trama tridimensional disposta em quatro eixos inclinados, que também criam novas tramas a partir da sobreposição dos planos, à medida que o observador se desloca. Sobre as paredes das tramas, e também em vitrines e bancadas, estão as obras. Cores cheias de vigor e alegria – magenta, vermelho e laranja – constroem a trama e recebem o trabalho precioso e potente das mestras artesãs.
Programação
Com o intuito de favorecer a aproximação junto ao universo do artesanato e com as artesãs expositoras, durante o período da mostra haverá uma programação integrada, que contará com bate-papos, oficinas e cursos.
Programação completa em: sescsp.org.br/vilamariana
Leia aqui trecho do texto curatorial sobre “Como se dá o reconhecimento da maestria”, escrito por Adélia Borges.
Coletivos e participantes
ACTC – CASA DO CORAÇÃO (São Paulo)
ARTE E VIDA (Guapiara)
ARTE ROSES (Bertioga)
ARTESÃS DA LINHA NOVE (São Paulo)
BANARTE (Miracatu)
BORDADEIRAS DO JARDIM CONCEIÇÃO (Osasco)
COLETIVO BORDAEMIA (São Paulo)
COLETIVO YBYATÃ (São Paulo)
COOPERATIVA LILI (Tremembé)
ELIANA BOJIKIAN POLITO (Bauru)
LUCINDA BENTO (Américo Brasiliense)
MULHERES ARTESÃS DA ENSEADA DA BALEIA (Cananeia)
NHANDUTI DE ATIBAIA (Atibaia)
ODETE CORADINI (Olímpia)
OFICINA DOS ANJOS (São Paulo)
PIRADAS NO PONTO (São Paulo)
POVO INDÍGENA GUARANI MBYA (São Paulo e Eldorado)
RENDEIRAS DA ALDEIA (Carapicuíba)
QUILOMBOS IVAPORUNDUVA E SAPATU (Eldorado)
SÃO BENTO POR VÁRIOS FIOS (São Bento do Sapucaí)
Ficha técnica
Concepção: Núcleo Integrado de Artes do Sesc Vila Mariana
Curadoria: Adélia Borges
Assistência de curadoria: Jaine Silva
Pesquisa: Priscila Lourenção, Ivan Vieira e Jaine Silva
Arquitetura: Adriana Yazbek
Assistência de arquitetura: Alexandre Lins, Luiza Ho e Nathalia Duran
Iluminação: Fernanda Carvalho
Design gráfico e comunicação visual: Pandoala Estúdio | Tissa Kimoto
Cenografia: Cenografia Catanduva
Coleções: A CASA – Museu do Objeto Brasileiro, Adriana Gragnani, Elizabeth Horta Correa, Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Dona Leopoldina, Escola Municipal de Iniciação Artística (Emia), Fernanda Yamamoto, Instituto Humanitas360, Marilia Martins Coelho, Lucinda Bento, São Bento por Vários Fios e Sonia Bianco
Serviço:
Exposição EntreMeadas – Livre | Grátis
Visitação: até 9 de fevereiro de 2020
Terças a sextas, das 10h às 21h30
Sábados, das 10h às 20h30; domingos e feriados, das 10h às 18h30
Local: Térreo (Torre A)
Sesc Vila Mariana | Informações
Horário de funcionamento da Unidade:
Terça a sexta, das 7h às 21h30; sábado, das 9h às 21h; e domingo e feriado, das 9h às 18h30