A consciência de que a arte pode existir em qualquer lugar e tempo guiou o processo de uma exposição que, embora tenha dia de abertura e local para visitação, a data para acabar é indefinida. A partir desta semana, a artista e curadora Vanessa Schultz apresenta no pequeno município de Salto Veloso, no meio-oeste de Santa Catarina, o resultado do projeto Oficina do Ser em exposição coletiva na biblioteca da Casa da Cultura Abel Abati. A visitação presencial de “EU” pode ser feita até março. Depois de desmontada, a mostra coletiva segue em “cartaz” em formato de publicação impressa — e vai funcionar enquanto o papel durar e for lido (um dia, 20 semanas, três anos?). O projeto foi contemplado no edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura.
A exposição coletiva “EU” é resultado de uma oficina realizada no município catarinense no final do ano passado. Ao longo dos encontros, os participantes imergiram em um processo de aprendizagem que foi chamado pela artista de autocuradoria. Esse trabalho resultou em fotos, retratos ilustrados, textos e projetos curatoriais para Salto Veloso, além de formas gráficas a partir de uma experiência inspirada na prática zen budista do Ensō (a arte de tentar fazer um círculo perfeito em apenas uma pincelada e uma respiração).
Quem visitar a Casa de Cultura Abel Abati nas próximas semanas encontrará um grande painel de mais de 15 metros quadrados na fachada, uma curadoria coletiva na forma de seleção de livros da biblioteca, além de projetos de curadoria pensados pelos participantes para a cidade: exposição sobre os cheiros e as lembranças que eles provocam, por exemplo, ou uma mostra sobre o futebol feminino de Salto Veloso, entre outros. Quem visitar a Casa de Cultura também encontrará um espaço para se arriscar e tentar desenhar um círculo perfeito.
Como somos vistos
Uma das atividades propostas por Vanessa Schultz durante a oficina envolveu a descrição em texto de cada um dos participantes sem que fosse mencionada nenhuma característica física ou identificação. Essas descrições foram entregues para a ilustradora Flávia Fernandes de Oliveira, parceira do projeto, que os desenhou a partir do relato de cada um apenas, sem nenhuma referência de imagem.
— Quando os retratos chegaram foi emocionante a atividade de tentar descobrir quem era quem. Entrar em contato com o fato de que, quando somos vistos por alguém, o que é visto passa por um “filtro” e que esse “filtro” é o ser que nos vê e sua experiência no mundo. É uma oportunidade muito rica de apreciar que não temos nenhum controle sobre isso. Talvez o que seja mais enriquecedor é que temos a chance de perceber e redimensionar o valor que damos às questões que movimentam nossa existência — diz a artista e idealizadora do projeto, Vanessa Schultz.
Curadoria e autocuradoria
Vanessa Schultz é conhecida pelo trabalho como artista gráfica, designer editorial e curadora. Para ela, curadoria é algo que a gente faz o tempo inteiro, porque está conectado com as escolhas a partir de um ponto de vista. Por isso, quando escolheu o termo autocuradoria para guiar o projeto, a ideia era uma buscar uma conexão especialmente com o público mais jovem:
— Eles já chegaram a este planeta tendo que escolher como se apresentar publicamente da forma tão maximizada que a vida online trouxe. Claro que isso acontece, efetivamente, a partir do momento em que esse ser ganha o direito de decidir como quer mostrar sua imagem, é uma construção de identidade numa eterna conceituação a respeito de si mesmo, a partir de algum ponto de vista — afirma a artista.
Ao refletir sobre o projeto como um todo — que foi contemplado pelo Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura —, Vanessa conta que uma das perguntas que nortearam a própria divulgação da oficina para os jovens — “Como você comunica ao mundo quem é?” — funcionou como uma plataforma para pensar essa relação.
— Não é uma busca por resposta única, mas uma oportunidade para fazermos perguntas melhores e ver quais delas realmente importam pra gente e de que forma vamos comunicar essas respostas. Mesmo que a gente escolha não dizer nada, ainda é uma resposta — analisa.
Salto Veloso: um exemplo para SC
Embora tenha vivido e desenvolvido sua obra a maior parte do tempo em Florianópolis, com passagens por São Paulo, Vanessa Schultz nasceu no extremo oeste catarinense e tem uma relação íntima com a região. Em 2012, realizou uma exposição de arte contemporânea especial para crianças no município de Treze Tílias, chamada Era uma vez a casa. Cerca de 3 mil pessoas visitaram a mostra.
Salto Veloso chamou a atenção da artista, entre outros motivos, pela estrutura de políticas públicas para a cultura da cidade — um exemplo para as demais cidades de Santa Catarina.
— Imagine chegar a uma cidade de, aproximadamente, 5 mil habitantes e descobrir que a Secretaria de Cultura oferece 800 vagas nas oficinas de arte gratuitas! É um número de vagas suficiente para 20% da população. Isso só acontece quando as pessoas envolvidas na estrutura política local entendem o valor da cultura e investem nela — ressalta a artista.
Salto Veloso, cuja maioria da população descende de imigrantes italianos, vem buscando resgatar e valorizar a cultura cabocla. O sobrenome Veloso, que nomeia o rio que corta a cidade, é de uma família cabocla que já estava aqui quando os imigrantes chegaram.
Além disso, a descentralização do acesso à arte contemporânea é importante e é um ponto central para a curadora.
— Na maioria dos casos, no mundo inteiro, o acesso presencial à ação contemporânea na arte está nas grandes cidades. Expandir meu trabalho para além dos limites das cidades grandes é, também, uma forma de retribuição ao ensino universitário público e de muita qualidade que recebi na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), onde fiz minha graduação e meu mestrado. Apresentar um pouco do meu trabalho e aprender o que as pessoas de Salto Veloso tem a me oferecer é um ganha-ganha para todos: eu, os participantes, a cultura, a cidade e o estado de Santa Catarina.
O que é uma obra de arte, afinal?
A publicação que depois seguirá em cartaz é uma peça que vai se desdobrando até ficar na forma de um cartaz. Essa peça gráfica recria parte das atividades da oficina na forma de dois jogos. No primeiro, chamado “Que círculo sou eu?”, o público é convidado a tentar relacionar os desenhos aos nomes dos participantes — 14 no total. Já em “Parece comigo?”, é necessário ler os 14 conjuntos de texto e ilustração e tentar ligar cada um deles às 14 fotografias dos participantes.
— Essa forma de fazer uma exposição em um espaço físico que é um papel impresso é o que denominei lugar-publicação na minha pesquisa de mestrado. Ela já acontece em trabalhos e pesquisas feitas por artistas contemporâneos desde o final da década de 1960 e mexe com vários conceitos em relação ao material do qual as obras de arte são feitas, ao tempo que uma exposição pode durar, a forma como atribuímos valor e preço aos trabalhos, entre outros questionamentos. É uma discussão que pode chegar à pergunta impossível: o que é uma obra de arte?
Artistas participantes: Ana Lúcia de Cézaro, Célia De Bortoli, Dafne Zamboni Ribeiro, Gabi Welter, Gil Alves, Ingrid Thaler, José Canonica, Judite Barp, Judite Caron Thaler, Kátia Raquel Dotta, Maitê Thaler, Maria Clara G. Vargas, Nicole Perico, Vanessa Barp e a artista convidada Flávia Fernandes Oliveira.
Agende-se
Exposição Oficina do Ser – Arte Impressa e Autocuradoria
Quando: até 11 de março, de segunda a sexta, das 7h30 às 11h30 e das 13h às 15h
Onde: Casa da Cultura e Biblioteca Municipal Abel Abati (Rua Padre Rombaldi, s/n, Centro, Salto Veloso)
Informações: (49) 3536-0146
Fonte: com assessoria de imprensa.