Texto publicado originalmente no anuário ArqSC 10ª edição, em 2018, assinado pela jornalista Eloá Orazem.
- Esta semana, dia 14, o arquiteto Pedro Duschenes, do escritório Aleph Zero, participa de bate-papo sobre este projeto na Agenda do Design do CasaHall Design District, em Balneário Camboriú.
Prédios, pontes, casas e calçadas são a fratura exposta de uma arte de carne e osso: a arquitetura é a engenharia da empatia; a humanidade posta em prática. Elemento indissociável do que – e como – somos, a arquitetura não foge ao dilema contemporâneo que pressupõe a origem de tudo: quem vem primeiro, a arquitetura ou a sociedade? Para professor da FAU-USP de História do Urbanismo Renato Cymbalista: “O caminho é de mão dupla: a arquitetura interfere sim nas formas de organização da sociedade, e a recíproca é verdadeira”.
Quem reverbera esse pensamento é a arquiteta italiana Ana Maria Ghinita, que explorou o tema em sua tese de PhD na Universidade de Trento. No documento ela assinalou que prédios, casas, lojas e escritórios são, essencialmente, produtos culturais e sociais, e, portanto, influenciados por ideias, valores, crenças, atividades e até relacionamentos. “A sociedade constrói os edifícios, e estes, embora não produzam a sociedade, ajudam a manter as normas, o status quo”, pontua. Ciência das mais complexas, a arquitetura é uma arma poderosa de transformação social, com reflexo em obras e ações de impacto, desde pequenos gestos a grandes projetos. Quando construímos nossas cidades, moldamos a nossa sociedade – dizemos, nas entrelinhas, de onde viemos, onde estamos e para onde vamos com os nossos relacionamentos, ambições e responsabilidades.
A Escola Fazenda Canuanã é um exemplo do poder transformador da arquitetura.
Marcelo Rosenbaum sabia bem a dimensão do compromisso que assumiu quando aceitou o convite da Fundação Bradesco para projetar um centro educacional em regime de internato no município de Formoso do Araguaia, no estado do Tocantins. Ao lado de Gustavo Utrabo, do escritório de arquitetura Aleph Zero, Rosenbaum mergulhou na cultura e nos hábitos locais para desenvolver uma escola que abriga 800 crianças de 7 a 18 anos, de forma que o edifício dialogue com todo o entorno de uma região que marca o encontro de três biomas diferentes – cerrado, pantanal e amazônia.
Depois de ouvir individualmente os alunos, mapeando suas necessidades e anseios, os arquitetos envolvidos incorporaram ainda a tradição e o contexto econômico e histórico do local, abraçando coisas como o tijolo de adobe, a madeira, a intuição do trançado da palha, a casa do caboclo, a importância do rio, juntos, tinham que estar presentes ali – tudo isso com o menor impacto ambiental possível, claro. O resultado dos meses de dedicação integral da comunidade e dos envolvidos foi um prédio que se camufla na paisagem local. Com menos paredes e mais natureza, a Escola Rural na Fazenda Canuanã conseguiu dar mais autonomia e senso de coletivo aos alunos, que passaram a encarar sua moradia sob uma ótica de aldeia, onde os espaços públicos – como as salas de TV, de leitura e as redes – convidam à reconexão consigo e com o próximo. Não por menos, a construção foi eleita pelo Royal Institute of British Architects (RIBA) o Melhor Edifício de Arquitetura Educacional do mundo, desbancando outros 27 projetos do tipo. O projeto soma ainda o Building Of The Year, prestigiada premiação promovida anualmente pela plataforma ArchDaily, e o primeiro lugar no Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel 2017, além de estar entre os selecionados para a Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza desse ano (2018).
Fotos Diego Cagnato