Dono de frases contundentes, opiniões provocativas e olhar forte, o escocês Charles Watson não faz concessão quando o assunto é criatividade, tema que investiga há pelo menos 25 anos. São mais de 1.700 horas de entrevistas sobre o processo criativo com pessoas de várias áreas do conhecimento.
Professor de artes visuais no Parque Lage, no Rio de Janeiro – para onde mudou-se há 35 anos – Charles tem fama de ser rigoroso e exigente. Apaixonado pela vida e pelo seu trabalho, criou um método de ensino que estimula a absorção de novas ideias. “Uma coisa que eu gosto é fazer um parêntese na vida da pessoa, colocar ideias provocativas e dar tempo para essa ideia entrar”.
Com esse pensamento, desenvolveu o workshop Processo Criativo, uma série de palestras que ministra em várias cidades brasileiras. Em Florianópolis, esteve pela segunda vez a convite das artistas Gláucia Olinger e Juliana Hoffmann. Outro projeto que oportunizou sua extensa pesquisa sobre o assunto é o Dynamic Encounter, viagens realizadas com grupos a ateliês, galerias e os principais eventos de arte contemporânea no Brasil, Europa e Estados Unidos.
Na entrevista concedida ao programa de TV Missão Casa e ao ArqSC, Charles fala sobre os fatores envolvidos no processo criativo, dos principais mitos sobre criatividade e cita as ex-alunas Beatriz Milhazes e Adriana Varejão como exemplos de determinação.
ArqSC – Como você define a criatividade e quais os fatores da personalidade que influenciam o processo criativo?
Charles Watson – A criatividade, pelo menos o que eu quero dizer quando falo essa palavra, sempre vai acontecer dentro de um contexto. Mihaly Csikszentmihalyi, um pesquisador, chama de um campo pré-definido e simbólico de ação – e isso pode incluir a matemática, física, cosmologia, coreografia, arte, fotografia … Normalmente, vai envolver uma pessoa ou um grupo que faz certas incursões nessa área ao ponto de modificar visivelmente um aspecto da estrutura da área, criando algo que é notavelmente diferente ou traz um ângulo de pensamento que até então não existia. Também é importante que um grupo ou alguém que seja perito ser capaz de perceber e identificar o quanto esse acontecimento foi pertinente ao ponto de dizer ‘temos que prestar atenção aqui porque algo acabou de acontecer’.
ArqSC – A atitude do indivíduo é determinante para se destacar em sua atividade?
CW – Sim, mas a pessoa pode ser criativa e não se destacar, isso depende de vários fatores inclusive geográficos e históricos, é complexo. Para descrever uma pessoa como criativa, ela tem que ter um nível de concretude no trabalho. Ter uma ideia diferente não a faz criativa, é a concretização dessa ideia. Uma pessoa que pensa coisas inovadoras mas não realiza, não considero criativo.
ArqSC – Você foi professor de Beatriz Milhazes e Adriana Varejão, artistas com repercussão no cenário da arte internacional. Dá para afirmar que elas têm atitudes determinantes ao processo criativo como dedicação, paixão, persistência?
CW – Sem dúvida. Engraçado é que como as pessoas acham que você, como professor, vai perceber o talento dos alunos. Mas não é isso, são as posturas. Ambas são muito inteligentes. Conheço a Adriana desde jovem, ela discutia questões de filosofia oriental com 17 anos! A Bia tinha uma disciplina de ateliê desde que começou e sempre foi muito focada.
Quando se fala em criatividade, a inteligência é importante até um certo ponto por um bom motivo: é curioso notar que é muito raro um Prêmio Nobel ter QI acima de 140. O principal é um senso de disciplina e coisas furtuitas que acontecem ao longo da vida: influências fortes, a capacidade de ter paixões. Adriana e Bia são muito passionais, possuem um forte envolvimento com o que fazem, são capazes de levar esse envolvimento as últimas consequências através do trabalho.
ArqSC – Quais são os mitos em relação a criatividade?
CW – São muitos e sempre criados por pessoas que não fazem um trabalho criativo. O mais óbvio é sobre o divino ou genético, achar que a pessoa nasce assim. Isso é bobagem. A gente faz porque quer e, inclusive, é um tipo de passividade muito conveniente achar que as coisas vieram de Deus ou da genética.
Outro é o ócio criativo, as pessoas sempre falam sobre isso e que a criatividade é quando você está esperado a ideia vir. Uma certa verdade sobre isso que vai contra o senso comum é que o trabalho é que produz inspiração e não o contrário. Você é inspirado quando está disposto, e você está disposto na medida em que criou um diálogo diário com o que faz. Então, quando investe muito na sua área, você investe muita energia e chega a um platô que modifica sua maneira de ver o mundo.
ArqSC – Qual o papel do estímulo na educação infantil no desenvolvimento do pensamento criativo?
CW – Uma criança, eu diria também um adulto, tende a aprender a partir de paixões. Eu considero que um método de educação interessante é o que tenha a flexibilidade suficiente para desviar um percurso de acordo com a energia da criança naquele momento. A mesma coisa com o adulto, só que ele vai abrindo mão de suas paixões, investe em áreas que tragam melhores salários e não porque gostam, ou porque os pais falam: ‘agora vai fazer uma coisa séria na sua vida’.
ArqSC – O seu método de ensino provoca uma “lavagem cerebral” como você mesmo costuma falar?
CW – Eu quero dizer lavar mesmo, tirar o lixo que todos nós temos na cabeça, não por ser ideias que conquistamos, mas por pura osmose cultural, absorvemos informações sem pensar sobre elas, porque escutamos repetidas vezes. Então lavagem cerebral – da maneira que algumas vezes citei – é criar um vácuo onde algo possa acontecer. Uma coisa que eu gosto é fazer um parêntese na vida da pessoa, colocar ideias provocativas e dar tempo para essa ideia entrar.
ArqSC – Qual o seu processo criativo?
CW – Veja, eu não sou bom escritor, mas eu aprendi quando era artista que escrever era uma maneira de me afastar do aspecto visual do que estava fazendo para ter uma noção mais clara sobre o trabalho. Mas em termos de pensamento verbal, de ver se as minhas ideias são razoáveis ou não, sem dúvida, são as palestras.