Há muitos modos de gritar. Betânia Silveira grita na exposição “Rebrote Mariposa”, aberta no Espaço Oficinas do Centro Integrado de Cultural (CIC), até o dia 13 de julho. Artista, professora e pesquisadora, ela está inscrita na história da arte de Santa Catarina como uma das representações mais importantes da cerâmica do Estado. As 15 cerâmicas, os quatro desenhos grandes em tecidos de algodão, cinco desenhos médios em tecidos de algodão, três desenhos médios em tecido de linho, oito desenhos pequenos em tecido de linho e sete desenhos em papel canson aquarela A3 resultam numa experiência sensível e provocadora de reflexões.
Trata-se de uma produção que surge em um cotidiano da pandemia, que obrigou a mudar hábitos e percepções que cada vez mais contagiam as questões artísticas, estéticas e conceituais dos trabalhos. O audiovisual, a literatura, a música e a poesia, entre outras linguagens, revelam o que o isolamento social operou no íntimo, no privado, no campo das emoções e dos sentimentos.
Neste caso, a artista produz casulos, espelha a casa, o espaço de intimismo e as transformações que brotaram da solidão. “O entorno mais próximo e familiar passou a ser a origem dos perceptos e afetos, sombras para o desenho, imagem ação para o fazer poético”, conta a artista. “Com as formas casulóides surgiu o interesse específico pelas mariposas, seres da invisibilidade, comumente mal vistas, mas que, na realidade, são responsáveis pela polinização do planeta e sua biodiversidade”, completa.
Uma produção que precisa ser pensada no hibridismo, na aproximação de linguagens distintas e temas díspares. No desafio formal do desenho e da cerâmica, a arte de Betânia Silveira traz engajamento, razão que permite pensar no ativismo, um modo de fazer política e de intervir no espaço público por meio da arte. Uma poética que mistura ancestralidade e feminismo, memória e arquivo, o físico e a espiritualidade, o ambiental e o planetário, presente e passado. Do encontro com o eu, a própria história e o percurso existencial, não deixa de criar uma cartografia interior. No entanto, do íntimo e privado projeta-se para o público, mexe com questões que estão fora de si mesma. Carregadas de interioridade, as obras, em conjunto, questionam sistemas culturais, sociais e políticos.
Discurso contra-hegemônico, que se situa na prática do ativismo, Betânia expõe no flyer/convite parte dos dispositivos de sua pesquisa num entre aspas de 2016 do pensador Georges Didi-Huberman: “Onde reina a obscuridade sem limite, não há mais o que esperar. Isso se chama submissão ao obscuro…pulsão de morte: morte do desejo. (…) Não há uma escala única para os levantes: eles vão do mais minúsculo gesto de recuo ao mais gigantesco movimento de protesto”.
Na filosofia do historiador e crítico de arte francês, Betânia Silveira dá aprofundamento teórico aos trabalhos que se intercambiam em favor de uma unidade expressiva sobre o desejo por mudanças, uma nova esfera existencial, mais justa e menos difusa, distanciada dos conceitos eurocêntricos. Sem complicar, entrecruza cultura, tradições e práticas para conciliar o contraditório e o contrastante e, assim, dar um grito de basta com o que está posto.
Exercício do esperançar
Arte de levante, forte e de protesto, de resistência e indignação. Porém, também exercício do esperançar, conforme escreve a artista ao se apresentar sobre os novos projetos em cerâmica e desenho, pesquisa cujo primeiro resultado se apresenta em “Rebrote Mariposa”. Com curtíssimo prazo de visitação, a mostra tem relevância no tempo contemporâneo como uma das tantas prospecções pandêmicas que trazem os rumores afetivos e traumáticos de uma situação que ainda não acabou. Enfim, arte com valor agregado que propõe problematizações de múltiplos direcionamentos – como espadas etéreas capazes de tocar o humano.
Serviço
Exposição “Rebrote Mariposa”, de Betânia Silveira
Quando: Até 13.7.2022, terça a domingo, 9h às 21h
Onde: Oficinas de Arte, Centro Integrado de Cultura (CIC), av. Irineu Bornhausen, 5.600, bairro Agronômica, Florianópolis (SC) – Gratuito
Sobre a artista
Nascida em Belo Horizonte (MG), vive e trabalha em Florianópolis (SC) desde 1991. Especializada em cerâmica, começa a vida acadêmica em paralelo à atuação artística. Faz mestrado e doutorado em arte, tendo a cerâmica como mídia expressiva e área de pesquisa matérica e poética. Em 1995, estuda cerâmica design em curso orientado pela Universidade de Londres, em Rugby, na Inglaterra. Profissionalmente se constitui entre ações como artista, professora e pesquisadora da cerâmica, das poéticas visuais e da performance. Atuou como professora universitária na Escola Guignard de Artes Visuais da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), em Belo Horizonte, e em Florianópolis, no Centro de Artes (Ceart), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), nos cursos de bacharelado e licenciatura da Faculdade de Artes Visuais. Ministrou, por mais de uma década, cursos de cerâmica em caráter de extensão, no Departamento Artístico Cultural (DAC), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e foi orientadora da Oficina de Cerâmica, no Centro integrado de Cultura (CIC).
Como mídia expressiva adota a argila, o ferro, madeira, acrílico, plástico, silicone, vidro, espelho, entre outros materiais. Viabiliza trabalhos por meio da cerâmica, da hipermídia, da fotografia, do vídeo, de performances, desenhos e gravuras.
Desde 1991, participa de simpósios e congressos nacionais e internacionais apresentando palestras, comunicações e workshops em países como Cuba, Turquia, Suécia, Portugal Argentina e Brasil, onde participa também de exposições coletivas e individuais. Conquistou prêmios ao longo dos anos, como na 9º Bienal Internacional de Cerâmica de Aveiro, Portugal; e o último recebido em Florianópolis por Reconhecimento de Trajetória Cultural no Estado de Santa Catarina, Lei Aldir Blanc/SC -2020.