Algumas vozes nunca se calam e costumeiramente atribuímos esta característica tão humana a alguns elementos inanimados e tantos outros não humanos. As pedras que conformam edifícios milenares, por exemplo, nos falam sobre as técnicas construtivas e a engenhosidade de homens de milhares de anos atrás; o vento nos diz o que esperar dos céus, se chuva ou seca, e muitas vezes nos grita para alertar-nos das desfaçatezes que cometemos contra a natureza, e quando sacudem as árvores podem entoar os mais impressionantes cânticos. Os rios nos dão lições de resiliência e paciência que inspiraram os mais famosos filósofos orientais e ocidentais. Particularmente, as vozes que mais me surpreendem saem “da boca” das cores.
Ao longo de toda história humana perseguimos as cores para expressar diversos sentimentos, pensamentos e intenções. Presente desde que o homem encontrou uma forma para expressar-se, o vermelho foi a primeira cor utilizada, depois o preto. Estão presentes nas cavernas de Altamira, na Espanha, e em Lascaux, na França, na era paleolítica superior há aproximadamente 12.000 anos atrás. Nosso DNA foi impregnado de cores.
Como consta na introdução do livro “Los lenguajes del color” do publicitário e escritor hispano-mexicano Eulalio Ferrer (1921 – 2009): “Tudo quanto rodeia o homem é cor: da sinfonia subjacente da natureza, à metáfora contida nos dizeres de sua linguagem. O homem mesmo é cor, desde a pele de seu corpo e os códigos genéticos de sua identidade, desculpa contida nos enfrentamentos racistas, como se fosse possível esquecer que todos os seres humanos têm a mesma cor vermelha do sangue, que é irmão por cima de qualquer agressão ou preconceito.” (FERRER, 1999, tradução da autora).
As cores estão presentes visualmente e metaforicamente na vida humana desde sempre. Adquirem significados simbólicos em diferentes culturas. O tom de uma cor pode definir geograficamente sua origem, ou caracterizar certo design. Como exemplo temos a vasta gama de azuis que existem. O azul da Prússia, se caracteriza por tons enegrecidos e escuros, mas também é conhecido por azul de Paris, que foi obtido no século XVIII e se considera como um dos pigmentos tonais que constituem a denominada “sombra de Tiziano”. Existe o azul de Sèvres, azul escuro moderado correspondente ao esmalte aplicado a diversas porcelanas feitas nas fábricas de Sèvres em torno de 1755. No “Diccionario AKal del Color” há 525 verbetes para designar somente as diferentes denominações e composições que pode ter um azul (todo o livro tem 1050 páginas dedicadas a cor).
Leia outros artigos da Pilar aqui
As cores pelo mundo
O filólogo e professor da Universidade Rovira i Virgili na Catalunha, doutor Xavier Rull, e a estudante de filologia hispânica Hajar El Housaini, questionam em seu mais recente livro “Por que as cores se chamam como se chamam?” Faz uma análise linguística acerca da origem dos nomes das cores em diferentes culturas como a marroquina, a alemã, a inglesa, a russa, a grega, árabe, turca, húngara, japonesa, portuguesa, espanhola, catalã.
“Indo além, podemos perguntar-nos: por que uma cor se chama de uma maneira e não de outra? O nome da cor laranja é evidente de onde vem: da fruta que tem esta cor. Mas em casos como o azul, o amarelo ou vermelho já não é tão claro… Qual deve ser a origem destas palavras? (…)
Como é que em uma cultura um valor social se associa a uma cor, enquanto em outra cultura aquele mesmo valor social se associa a outra cor? Por exemplo, por que a beleza é representada pelo vermelho na cultura russa e pelo verde e azul forte pela cultura rifenha* (enquanto no mundo anglo-saxão, o azul evoca à tristeza)? Em inglês, a palavra blue, além de se referir à cor, significa um estado melancólico e depressivo, e também pode designar uma pessoa ou ação conservadora. No idioma catalão, a palavra equivalente, blau, não tem estes significados figurados. Em búlgaro, a palavra zelen, verde, se associa com a ira, enquanto em catalão se costuma vincular esta emoção ao vermelho.” (EL HOUSAINI e RULL, tradução da autora).
Em todas as áreas da vida humana as cores adquirem significados peculiares. Eulalio Ferrer investiga o significado simbólico das cores nas religiões, na literatura, na poesia, na pintura, na música, na política, na moda, na publicidade, e em várias outras extensões como o zodíaco, as superstições, a psicologia, a medicina, a cromoterapia, a higiene e saúde, a perfumaria, entre outros.
Por fim, as cores são um mundo paralelo dentro do qual também transitamos e somos influenciados por ele a todo instante, consciente ou inconscientemente. Portanto, adquirir continuamente mais conhecimentos sobre o significado das cores é algo que nos permite interagir mais com o mundo que nos rodeia, e é imperante para os profissionais que lidam diretamente com este elemento, como os arquitetos, designers de interiores, publicitários, entre outros.
Não deveríamos privar-nos da presença das cores nos ambientes internos nos quais passamos muitas horas diárias (cerca de 80% do nosso tempo, de acordo com OMS). E quando me refiro as cores, falo desde a ótica da física que diz que a cor é uma “radiação eletromagnética de comprimento de onda específico” emitida pela luz solar ou luz artificial de qualidade e captada pelos receptores óticos do olho, e que é percebida como cor quando incide sobre a matéria. Estas são o azul, vermelho, amarelo, laranja, verde, violeta e suas terciárias, dentro do grupo das cores pigmento, e todas suas variações tonais (azul claro, azul escuro, etc.). As demais cores conhecidas como branco, preto, cinza e marrom não aparecem no círculo cromático básico das cores pigmento dentro do conceito da física porque não possuem uma radiação eletromagnética de comprimento de onda específica, mas não por isso deixam de ter um significado simbólico de extrema importância para o ser humano.
Ambientes completamente brancos, cinzas e negros podem evocar sentimentos obscuros, tristeza e apatia ao longo do tempo de exposição sem sequer nos darmos conta que vêm dali. Ambientes totalmente beges podem gerar monotonia visual. Estas cores são consideradas “neutras” justamente pela imparcialidade, pela indiferença ou simplesmente pela falta de estimulação cerebral. Há que se cuidar com o excesso e com a falta de cores do círculo cromático também. E para isto é imprescindível conhecer que tipo de sensação psicológica as cores podem causar dentro de nossa cultura.
O medo em usar as cores
Dependendo de alguns fatores, podemos ter medo a utilizar as cores que compõem o círculo cromático básico. Este medo aumenta em proporção à área revestida, e ao nível de exposição social que a pessoa terá na comunidade da qual faz parte. Ou seja, na decoração de interiores onde há paredes, teto e piso que são grandes extensões, o medo em usar cores nestas superfícies é maior devido tanto ao nível de exposição a que a pessoa se submete àquele estímulo específico, quanto pela pressão que a moda e convencionalismos exercem sobre o indivíduo que, por receio ao julgamento alheio, prefere situar-se, literalmente, no ponto neutro (nas cores neutras).
Para resolver o conflito entre “o que eu gosto e quero” e “o que a moda e os outros me dizem” basta utilizar o conceito mais fundamental sobre o nível de influência que uma cor pode exercer no usuário de um ambiente: quanto mais quantidade, maior influência.
Em meu livro “Fundamentos da estética em design de interiores” explico que ao classificarmos os componentes da decoração em superfícies grandes, médias ou pequenas, também indicamos o grau de influência que áreas coloridas têm sobre os usuários do ambiente. Em outras palavras, grandes superfícies revestidas da mesma cor, grande influência desta sobre a pessoa. Também se pode substituir o termo “influência” por “impacto” (tanto visual como psicológico). Por exemplo, uma parede exerce muito mais impacto visual do que uma única almofada.
Outro aspecto que controla o nível de impacto de uma cor sobre as pessoas é o seu tom. Quanto mais uma cor se dirige ao branco (vai sendo clareada, iluminada) ou ao preto (vai sendo escurecida), maior neutralidade vai adquirindo (afinal, preto e branco são cores neutras e extremos numa escala tonal). A partir desta afirmativa se pode concluir que um verde vivo, forte, é muito mais impactante do que um verde musgo (que tem preto e branco na sua composição).
Basta compensar nestes dois aspectos, área revestida e tonalidade, que já dispomos de dois dos conhecimentos mais básicos para jamais deixar de trazer as cores para os ambientes internos. Desta forma se pode respeitar gostos e experiências pessoais, sem privar a pessoa do poder comunicativo que as cores possuem. Negar as cores à experiência visual é criar um ambiente oposto ao natural para o ser humano.
Eulalio Ferrer comenta: “Física e animicamente, o ser humano é afetado e influenciado pelas cores que o rodeiam, ao articular suas referências convencionais. Por isso é que desde os mitos e lendas primitivos até as modernas teorias da conduta humana se há tratado de explicar o significado das cores. (…)
O clima das cores é tão humano como o ar que respiramos, seja na tela da televisão, na discoteca, no sanatório, na indumentária, na arte, na ciência, em praça pública… As batidas, o ritmo das cores podem ser semelhantes às batidas do coração, cujo sangue tem a cor da vida, prolongado nos encantos visuais e perpétuos da natureza. Há cores vinculadas à adrenalina e outras à conciliação e ao sono.” (FERRER, 1999, tradução da autora).
As cores estão presentes nas mais belas poesias de amor, de rebelião, de contemplação. Para terminar com o mesmo clima nostálgico a que nos levam as cores, compartilho uma poesia de Rubén Darío, poeta, jornalista e diplomático nicaraguense (1867 – 1916) em que o uso da cor como metáfora e meio expressivo é deliciosamente distribuído em cada um dos versos (tradução da autora).
“Põe a roupa azul,
que mais convém ao teu loiro encanto.
Logo, Mía, colocarás outro,
cor de amaranto,
e o que rima com teus olhos,
e aquele de reflexos rubros
que com tua brancura combina tanto.
No escuro cabelo
põe as pérolas que conquistas.
No gracioso pescoço
põe o colar de ametistas.
Nos tornozelos pulseiras de topázio amarelo
e esmeraldas nunca vistas.”
* Cultura rifenha: os rifenhos são uma etnia bereber que habita no Rif, ao norte de Marrocos. Sua língua materna é o idioma rifenho, que está dividido em vários dialetos.
Bibliografia
Arantes, Maria Pilar. Fundamentos da estética em design de interiores. Tarragona: MSPublishers, 2019.
Ferrer, Eulalio. Los lenguajes del color. México: Instituto Nacional de Bellas Artes, 1999.
Rull, Xavier; El Housaini, Hajar El. Per què dels colors en diem como en diem? El món cromàtic des d’una òptica lingüística. Tarragona: MMV Edicions; Universitat Rovira i Virgili, 2020.
Sanz, Juan Carlos; Gallego, Rosa. Diccionario Akal del color. Madrid: Ediciones Akal, 2001.
* Imagem em destaque: as cores do pôr do sol falam muito sobre nós do Portal. Foto de Simone Bobsin