Este é o quarto artigo da arquiteta Maria Pilar Arantes, que atualmente mora na Espanha onde cursa História da Arte. Pilar é colaboradora do portal ArqSC para o qual escreve apontando seu olhar para o país. Pilar é pós-graduada em Arquitetura e História das Cidades pela Universidade Federal de Santa Catarina e fundadora e diretora do Centro de Artes e Design, um centro de pesquisa, formação e difusão do design de interiores e das artes, em cujos cursos já se formaram, desde 1999, mais de 5 mil pessoas. É escritora e registra suas viagens por meio de fotografias.
Acesse o primeiro artigo Olhar sobre Espanha – arquitetura e arte na península ibérica, segundo Uma viagem no tempo da arquitetura e da arte espanhola e o terceiro Arte Românica – a força do cristianismo nas artes
Nossa linha do tempo da arte espanhola chega ao século XII, e ganha um nome cunhado séculos mais tarde, no período do Renascimento: o estilo Gótico.
O final das manifestações da arte românica (que vimos no artigo anterior) se entrelaçam com a arte gótica, combinando-se elementos. Inclusive, muitas igrejas góticas foram construídas aproveitando-se as estruturas de igrejas românicas, num ímpeto de renovação de estilo. Era o resultado de um novo estado de espírito da sociedade motivado pela melhora das condições de vida em geral, proporcionado pelo crescimento econômico, o avanço nas técnicas construtivas e uma nova visão espiritualista que perdurará até antes de 1348.
A catedral era o edifício mais importante, o eixo da vida do cidadão, era sua imagem perante o mundo, e os habitantes a convertiam em parte de sua identidade. Os monastérios foram outra estrutura importante na caracterização da arte gótica – além da implantação e organização da ordem religiosa, eram os monges os responsáveis pela manutenção e atenção às atividades da igreja.
O estilo gótico teve grande diversidade arquitetônica. Iniciou na França e se difundiu rapidamente por toda Europa, adquirindo características distintas em países como Alemanha, e em alguns lugares da Espanha onde a arte mudéjar lhe deu um aspecto único. Na Espanha, a ordem monástica do Cister, que gerou um estilo arquitetônico posteriormente denominado arte cisterciense, também deu ao estilo gótico peculiaridades que encantam e elevam espiritualmente aquele que tem a oportunidade de andar pelo claustro e demais dependências das abadias.
O monastério de Santa María de Vallbona é o monastério feminino mais importante da Catalunha, pertencente a Ordem do Cister. Está localizado no pueblo de Vallbona de les Monges. Juntamente a outros dois monastérios, o de Poblet e do Santes Creus, os três situados na Catalunha, constitui a marca mais importante do Cister no sudoeste da Europa. Sua arquitetura é a típica dos monastérios cistecienses. As primeiras construções do monastério de Vallbona, datam de 1153. Possui partes em arquitetura românica e gótica, abarcando os séculos XII, XIII e XIV.
Na Espanha, o Monastério Cisterciense de Poblet, fundado em 1151 e que sofreu várias alterações, é uma das obras mais emblemáticas do gótico da Catalunha. Espaços de arquitetura espetacular, de despertar da espiritualidade, independente da religião daquele que os visita. Os monastérios eram construídos pelos próprios monges e por pessoas altruístas que, por fé, acreditavam estar prestando culto a Deus através da beleza da arquitetura e do serviço.
As principais inovações espaciais, estéticas e técnicas deste estilo nas igrejas, foram:
– Igrejas com muitos espaços reservados para os financiadores da sua construção, como capelas no deambulatório ou nas naves laterais, onde inclusive poderiam ser enterrados, ademais de espaço de adoração.
– Fachada em esquema tripartido: nave central coroada por imponente rosácea, duas naves laterais com portas na fachada para acesso ao interior. O conjunto das primeiras igrejas formava na fachada a letra “H”, por estar ladeada por duas torres. (Imagem 6 – Catedrais de Burgos e Leon)
– Decoração escultórica ricamente elaborada que cobre as fachadas e as galerias. (Imagens 7 e 8 – Catedral de Tarragona)
– Arcobotantes e contrafortes: sistemas estrutural que tinha por objetivo transferir as cargas até o exterior, permitindo paredes laterais mais estreitas e leves e igrejas mais verticalizadas.
– Devido às paredes com a carga redistribuída, foi possível o fechamento de paredes com vitrais multicoloridos, trazendo um aspecto espiritualizado nunca jamais visto, devido a luz colorida que adentrava a igreja e conferia um colorido de um simbolismo transcendente. (Imagem 9)
– Desenvolvimento do desenho técnico: ferramenta ideal que permitiu melhor organização do trabalho, controle e precisão de obras altamente complexas. O desenho também passou a ser usado como elemento de especulação, pois pela primeira vez se podia apresentar as ideias antes da materialização de suas formas.
– A escultura gótica presente na fachada se funde à arquitetura, deixando de ser meramente decorativa. As portadas ganham esculturas, o tímpano apresenta uma nova iconografia (a Virgem com o menino Jesus, Cristo em juízo final, os evangelistas) e as colunas laterais da nave principal recebem esculturas geralmente dos profetas. (Imagem 9)
O estilo gótico, diferentemente do românico, é um estilo de deslumbramento, e não de introspecção. De impacto visual, de reconhecimento do poder divino e do quão pequeno é o homem quando frente a ele. Até os dias de hoje nos surpreende pensar na técnica necessária para construir estes edifícios sem os recursos que possuímos na atualidade. Homens movidos pela fé (e outros pelo poder) desafiaram todos os pensamentos limitadores da época e se uniram no ideal comum da religião que dominava toda a Europa.
Quanto pode o homem movido pelas suas paixões!
Créditos das imagens:
Catedral de Burgos (Imagem 6): De Carlos Delgado – Trabajo propio, CC BY-SA 3.0 es, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=35312312
Catedral de Leon (Imagem 6):: De David Jiménez Llanes – Trabajo propio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=31695037
Todas as demais fotos : Maria Pilar Arantes
Referências:
ARIAS, Inés Monteiro. El arte en la baja Edad Media occidental: arquitectura, escultura y pintura. Madrid: UNED. 2009.
LADERO QUESADA, M.F. y LÓPEZ PITA, P.. Los siglos medievales del Occidente europeo. Madrid: Ed. Ramón Areces, 2016.
Monastério de Vallbona, em: http://www.monestirvallbona.cat/es/