A jornalista espanhola Idoia Sota convidou a psicóloga clínica Larissa Del Río para avaliar a decoração da casa com a esperança de entender certas bagunças e algumas formas de organização de alguns espaços, movida pela sua curiosidade investigativa. Conseguiu chegar a conclusões muito interessantes.
Ler o relato de Idoia me chamou a atenção sobre algo que defendo há muitos anos: o uso de imagens separadas em grupos que permitem investigar as preferências estéticas dos clientes, principalmente aquelas das quais ele nem se dava conta (ARANTES, 2019).
Idoia nos conta:
“Há algo no meu quarto que me dá a mesma sensação que usar calças apertadas. Não sei se é o quadro que está no chão encostado na parede, ainda embrulhado em plástico-bolha desde que me mudei há quatro anos. Ou se são as molduras de prata e porcelana com laços que me foram destinadas na distribuição das coisas da minha avó, porque continham fotos minhas, e que coloco numa prateleira escondida atrás da porta. Ou se é aquela outra prateleira em que se acumulam papéis que não têm lugar. Larissa del Río, psicóloga clínica especializada em algo que ela chamou de psicologia dos espaços, diz que talvez esses cantos sejam o espaço que reservo à rebelião, um absurdo que me permito no único refúgio da casa que não está sujeito à estrita disciplina de ordem e limpeza com que certamente cresci.”
Larissa fez com que Idoia se sentasse em frente às quatro paredes do seu quarto por uma hora, 15 minutos por parede. Depois de analisar as samambaias artificiais hiperrealistas acima da cama, obtidas em uma venda especial Westwing, e a cabeceira de madeira maciça indonésia com baixos relevos Kamasutra que encontrou em uma loja de antiguidades asiáticas no shopping Kinépolis, em Madrid, concluiram que o que Idoia queria mesmo é morar no campo. E quando chegou a hora de enfrentar a cadeira de praia na sua varanda, chegaram à conclusão que às vezes deixa coisas inacabadas, ou aceita outras que lhe foram dadas, mas que não teria escolhido, só para se lembrar que há aspectos sobre os quais não tem controle. E também porque, se tudo acabasse, se não sobrasse nada para decorar, reformar ou restaurar, a vertigem lhe dominaria. “O que vem depois que você terminar tudo?”, se pergunta Idoia.
Foi assim que Larissa também soube que Idoia tinha dificuldade em não fazer nada, embora, aparentemente, seu quarto diga o contrário. Mas o objetivo era ir além do diagnóstico e tomar uma decisão sobre tudo que atrapalhava sua visão em casa. “É incrível a quantidade de coisas com as quais convivemos diariamente e paramos de ver”, afirma Idoia. Me faz lembrar de Donis Dondis que diz em seu livro: “o que adianta enxergar sem ver” (DONDIS, 1999).
Idoia diz que seu cérebro percebe as coisas, mas há uma resistência em tomar uma atitude. Diz: “Minha cabeça fica olhando de lado para aquele meu “altar do ego” de porcelana que deixou de fazer sentido quando ela saiu da casa da minha avó para adquirir outro muito menos cativante na minha”.
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Os erros mais comuns na decoração são devidos à falta de reflexão, não de gosto.
Diz a psicóloga que o importante é se conhecer. E acrescenta: “As pessoas pensam que não sabem decorar e o que acontece é que, por não se conhecerem, não escolhem os móveis, as cores ou os objetos que as satisfazem. Muitos querem o que não precisam. Pedem banheira e, quando você pergunta como é o dia a dia, não dá tempo de tomar banho. Outro exemplo clássico é o cantinho de leitura, que se cria na esperança de ler mais e depois enfraquece, roubando espaço de nossas verdadeiras atividades diárias”.
Tudo isso também tem a ver com outro erro comum: decorar para terceiros. Os outros são aquele grupo indeterminado de pessoas que um dia virá visitar. Acontece muitas vezes, além disso, que se enfeite o ambiente pensando em outro momento futuro e vire as costas para o agora: “Quando eu for para aquele lugar, que na minha cabeça é paradisíaco, então eu vou ser feliz.”
A lista de Larissa del Río continua:
“Não levar em conta as necessidades atuais e da casa, querer o que os outros têm, deixar-se levar pelas tendências do Instagram ou do Pinterest em vez de se ouvir”. E a sentença que levanta uma das primeiras crises do casal: “Não saber, ou querer saber, quais são os gostos das pessoas com quem vive”.
Ao ler a matéria de Idoia se fortaleceu em mim a consciência de que todo profissional de interiorismo deve investigar as preferências do cliente, descobri-las e respeitá-las. Se o cliente já vive a angústia de “decorar para os outros”, nós não podemos agregar mais um fardo impondo a nossa opinião que, sejamos sinceros, muitas vezes é tomada com o mesmo motivo oculto que o cliente: ser aceitos; em nosso caso, por nossos colegas de profissão.
Referências:
Artigo escrito a partir da matéria de Idoia Sota para o jornal El País, fevereiro de 2021.
DONDIS, Donis. Sintaxi da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
ARANTES, Maria Pilar. Fundamentos da estética em design de interiores. Tarragona: MSPublishers, 2019.
Imagens: Pixabay.