* matéria originalmente publicada no anuário impresso ArqSC 2015
Talvez muitos o conheçam em Florianópolis, para onde vem com frequência, sem saber de sua longa trajetória. São quase 50 anos de carreira de um dos maiores nomes do jornalismo especializado em arquitetura do Brasil. Em Santa Catarina, Vicente Wissenbach atuou como consultor no projeto da Cidade Criativa Pedra Branca, entre outras ações como a curadoria e ciclo de palestras Destaques das Bienais, mostra vinculada à Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura, regional SC (AsBEA-SC).
No ArqSC, colaborou desde o começo sugerindo pautas, projetos e abordagens sobre arquitetura. Continua sendo um grande mestre e parceiro. O conheci em uma das edições da Bienal Internacional de Arquitetura, em São Paulo. Fui fazer a cobertura jornalística e encontrei um grupo de profissionais catarinenses, que me apresentaram a ele. Nos tornamos amigos e desde aquele dia nos encontramos para longas conversas sobre a profissão, a arquitetura e a vida.
Essa entrevista é uma singela homenagem ao jornalista que foi condecorado com a Medalha Edgar Graeff, pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), durante o 19º Congresso Brasileiro de Arquitetos, em 2010, e um dos responsáveis pela criação da Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, que completa exatos 30 anos em 2015. Wissenbach foi o único brasileiro que integrou o primeiro júri internacional da Bienal. Até hoje, faz a curadoria dos projetos nacionais apresentados na Argentina.
Leia a seguir o relato de Vicente sobre sua trajetória no jornalismo, a criação do Jornal Arquiteto, da revista Projeto, das Bienais, da edição de livros, prêmios de arquitetura e tantas outras histórias que marcaram a cena arquitetônica brasileira.
Jornalismo
Aos 20 anos, participei da fundação do semanário Brasil Urgente e comecei a trabalhar como repórter geral e assistente de produção. Nesse período, entre 1962 e março de 1964, também fui um dos editores dos jornais da União Estadual de Estudantes e da UNE. Aprendi muito no Brasil Urgente, mas minha grande escola de jornalismo foi na Última Hora, onde entrei como repórter em 1964. Os grandes mestres do jornalismo estavam lá. Em 1965, a Última Hora foi vendida para o Grupo Folhas e fui convidado a montar a redação da sucursal paulista da Última Hora do Rio.
No início dos anos 1970 houve uma grande perseguição a jornalistas não alinhados com o governo militar. Meu registro profissional foi “cassado”. Sem poder trabalhar na grande imprensa passei a fazer free lancers, principalmente para revistas de economia (Visão e Exame) e Casa Cláudia.
Continuei fazendo free lancers mesmo depois de lançar o Arquiteto. Nesse período editei para a Associação Nacional de Pós Graduação em Economia – revista Anpec e os Cadernos Anpec de Economia –, foi quando conheci muitos dos grandes economistas que depois seriam ministros e figuras importantes da economia brasileira. Além de editar, com Alexandre Wolner, o livro “A Zanini e a História da Cana de Açucar no Brasil”.
O “Idea Man”
Quando entrei na Última Hora, o diretor geral era o jornalista e escritor Jorge Cunha Lima. Numa iniciativa ousada para a época, contratou um jornalista americano para atuar como “Idea Man”. Esse profissional ficava à disposição da redação para conversar sobre criatividade, novas maneiras de abordar assuntos corriqueiros, descobrir pautas no cotidiano. Também criar matérias especiais e elaborar pautas.
Diariamente ele fazia uma crítica às matérias publicadas e nos instigava a pensar em novas abordagens sobre o assunto. As conversas, no horário do expediente, eram rápidas. Quem desejava podia conversar após o expediente. E eu fazia isso duas ou três vezes por semana, depois de encerrar meu trabalho diário. Ele foi um de meus grandes mestres. Influenciou toda minha carreira profissional. Desde a de chefia de reportagem às edições de arquitetura e consultorias.
Envolvimento com arquitetura
Como jornalista sempre tive um contato muito grande com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Nessa época, as entidades de classe expressavam o pensamento da sociedade civil e desempenharam um papel político muito importante na luta pela redemocratização do país. Defendiam também maior participação dos arquitetos no planejamento urbano. Por ter arquitetos na família, desde jovem convivi com um grande número de arquitetos. Tudo o que sei sobre arquitetura e urbanismo aprendi nos inumeráveis seminários, encontros e congressos que participei no Brasil e no exterior e com grandes mestres como Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Oswaldo Bratke, Jaime Lerner, Carlos Nelson, Eládio Dieste. Foram nesses eventos e através da revista que fiquei conhecendo um “mundareu” de gente boa em todo o país. E fiz grandes amigos em toda parte. E em Floripa encontrei dois grandes amigos e parceiros: André Schmitt e Valério Gomes.
Jornal Arquiteto
O Alfredo Paesani, primeiro presidente do Sindicato dos Arquitetos, queria fazer um Informativo do SASP e me consultou sobre a viabilidade econômica. Sugeri fazermos um jornal e para que a publicação tivesse mais força, convidamos o IAB para participar e também um nome forte para ser o diretor responsável. O Fábio Penteado topou e colaborou em muito para a consolidação do jornal impresso em papel Kraft e com design diferenciado. As peças de apresentação da nova publicação foram feitas pelo Washinton Olivetto, como cortesia.
O lançamento foi um sucesso e em pouco tempo ele deixou de ser uma publicação paulista para ser o jornal dos arquitetos brasileiros. O jornal cobria todos os encontros nacionais e publicava as reivindicações de todo o Brasil. Acredito que o jornal tenha cumprido um importante papel na difusão do papel do arquiteto e urbanista. E na consolidação do salário mínimo profissional da categoria, denunciando prefeituras e governos que não cumpriam a lei.
Quando o Jornal Arquiteto foi lançado, a revista Acrópole havia parado de circular após 32 anos. As outras revistas como a Módulo, do Oscar Niemeyer, a Habitat, a Arquitetura do IAB do Rio, pararam de ser editadas nos idos de 1964. Havia apenas uma cobertura esporádica da arquitetura nas revistas de construção.
Revista Projeto
Havia uma reivindicação de que passássemos a publicar projetos e nesse mesmo período começaram as diferenças entre IAB e sindicato. Além disso, nosso contrato estava terminando e resolvemos em comum acordo parar o jornal Arquiteto no número 60. A revista Projeto começou como um pequeno encarte no jornal. Quando se transformou em revista independente, mantivemos o Arquiteto como encarte da revista publicando matérias de interesse das duas entidades e informativos da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas (FNA) e IAB nacional.
Em 1979, inicia a carreira-solo da revista com o editorial escrito por mim que dizia: “Finalmente estamos virando revista e, com sua ajuda e colaboração, vamos nos transformar na revista brasileira de arquitetura que os arquitetos há tanto tempo reclamam e nos cobram com insistência”. Depois da Projeto, vieram as revistas D&I – Design & Interiores, Obra, Cadernos Brasileiros de Arquitetura. Com o “tsunami” provocado pelo Plano Collor, fui obrigado a vender as revistas. Mas anos depois tive uma recaída e lancei a revista Finestra.
Prêmios de Arquitetura
Considero o Prêmio Opera Prima para estudantes de arquitetura um dos meus mais importantes projetos de premiação. Resistiu a todas as crises e mudanças. Continua revelando novos talentos.
Bienal de Arquitetura de Buenos Aires nasceu na Bahia há exatos 30 anos
Conheci o Jorge Glusberg (crítico de arte e agitador cultural) no Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado em Salvador, em 1982. Fomos apresentados pelo arquiteto Éolo Maia. Durante a conversa, surgiu a ideia de levar uma exposição de arquitetura para Buenos Aires e trazermos uma da Argentina para o Brasil. No ano seguinte, desembarcamos com uma exposição com trabalhos de 100 escritórios de todo o país, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. E uma delegação de 140 arquitetos. A exposição foi realizada no CAyC (Centro de Arte y Comunicación). O ciclo de palestras sobre arquitetura brasileira foi realizado num teatro próximo. O impacto foi tão grande que a manchete do Suplemento de Arquitetura do Clarin foi “La invasión brasileña”…
Em 1984, Glusberg nos mandou uma mostra de porte que, junto com a nossa, ocupou todo o Centro Cultural São Paulo. Depois, foram apresentadas no Rio e Belo Horizonte. Estava lançada a semente da Bienal de Buenos Aires. No Rio, fizemos uma reunião onde surgiu a ideia de realizarmos uma Bienal. Depois de amadurecida a ideia, há exatos 30 anos, surgiu a Bienal Internacional de Arquitectura de Buenos Aires. Participei ativamente na Comissão Organizadora da mostra e nos júris. Foi na I Bienal que o arquiteto brasileiro Severiano Porto ganhou o Grande Prêmio da Bienal, concedido por um júri com 33 membros internacionais e apenas um brasileiro: eu. Anos depois num encontro em seu escritório no Rio, Severiano me disse emocionado: ¨Vicente, foi você que me tirou do anonimato…¨ No júri sempre tive um bom aliado, o arquiteto argentino César Pelli. Os que ele julgava importantes, defendia na reunião do júri. Nos tornamos grandes amigos…Numa das bienais, estávamos no saguão do hotel e ele, cercado por arquitetos, estudantes e fornecedores, olhou pra mim, apontou o relógio e disse “estamos atrasados…”, pegou-me pelo braço e entramos em um táxi. Perguntei-lhe: onde vamos? Ele respondeu: dar uma volta e tomar um café longe daqui… Foram nesses júris que acabei conhecendo muitos Prêmios Pritzker e alguns dos grandes astros da arquitetura internacional, ficando amigo de muitos deles como Clorindo Testa, César Pelli, Vignoly, Richard Meyer, Mario Botta e tantos outros.
Arquitetura brasileira hoje
A grande virada na arquitetura e no urbanismo ocorrerá quando for obrigatório a existência de projeto executivo para a licitação das obras. Isto, além de impedir o desvirtuamento do projeto, contribuirá em muito para diminuir os “famosos” aditivos contratuais. Na área privada, irá melhorar quando os arquitetos conquistarem a direção e/ou o acompanhamento da obra, como ocorre na maioria dos países.
Quanto ao urbanismo, a situação ainda é mais crítica. O Estado está delegando cada vez mais a função de planejar as cidades e a habitação para os empreiteiros. Esses são alguns dos temas, ao lado de tantos outros, que ganharam força com a implantação do CAU.
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