Arquitetos e urbanistas há muito vêm aspirando projetar habitats inteiros, civilizações e, até mesmo, o planeta. Contudo, no atual clima de incerteza política e econômica, que se desenrola em um cenário de transformações ambientais sem precedentes causadas pelo rápido desenvolvimento industrial e tecnológico, profissionais da arquitetura e do urbanismo passaram a reconhecer a vulnerabilidade de suas disciplinas em relação às transformações globais e aos desafios de um futuro automatizado. Em reação, ao trazer o foco da arquitetura para a esfera cotidiana, esses profissionais começaram a questionar a finalidade central do projeto em um mundo super-projetado — aí incluídos objetos banais, rotinas diárias, protocolos de manutenção, ou até o uso de recursos básicos. Essa linha de investigação restabelece o que parece ser a dimensão mais trivial da realidade — o todo dia — como um mediador intrínseco da produção da arquitetura e da cidade. Na última década, o potencial do cotidiano vêm influenciando a prática e a teoria da arquitetura e do urbanismo, desencadeando uma nova ética e estética da simplicidade.
Mais do que um indício de inação ou de falta de vontade, esta abordagem é exigida pelos arquitetos para fazer do projeto algo relevante e uma preocupação compartilhada. O poder discreto do cotidiano está em sua capacidade de traduzir como usamos materiais, ocupamos, habitamos e mantemos o espaço em práticas comuns, que são mais conciliatórias que divisivas. As rotinas diárias dos seres humanos — independentemente de onde vêm, quem são, onde e como vivem — podem ser reduzidas às necessidades primordiais respondidas pela arquitetura e incorporadas ao espaço: uma casa limpa, uma refeição quente, um banheiro com água corrente, uma rua bem iluminada. Essas necessidades cotidianas referem-se não apenas ao corpo e à casa, mas os extrapolam: à cidade e sua infraestrutura, à nação e à administração de seus recursos, à Terra e sua conservação. Em todas essas escalas, a fragilidade do apoio político e institucional é evidente mundo afora, diariamente: florestas e geleiras desaparecem, enquanto a infraestrutura social, habitações coletivas, museus, pontes e calçadas sucumbem. O todo dia surge, portanto, no discurso e na prática arquitetônicos como um compromisso de agir de forma responsável e mais inclusiva.
Todo dia, a proposta curatorial da XII Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (XII BIA), apresenta o cotidiano como plataforma para pesquisa da arquitetura como atividade especializada de produção espacial no século XXI. São Paulo constitui, deste ponto de vista, o contexto ideal dado que, nesta cidade, o cotidiano é um agente capaz de impactar e empoderar a arquitetura, para o bem ou para o mal.
Todo dia está estruturada em torno de três eixos temáticos: Relatos do cotidiano, Materiais do dia-a-dia e Manutenções diárias. Cada qual apresenta projetos de arquitetura e urbanismo, pesquisas e instalações, além de outras intervenções espaciais que se referem às dinâmicas contemporâneas do cotidiano.
Arquiteturas do Cotidiano, a exposição central da XII Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo no Centro Cultural São Paulo (CCSP), abordará essa conexão. A mostra oferecerá oportunidades para mapear e discutir projetos nacionais e internacionais, bem como experimentos em arquitetura, urbanismo e paisagismo que tentam re-imaginar como o cotidiano molda nosso mundo. Com o objetivo de destacar contribuições aos debates arquitetônicos globais, particularmente no contexto latino-americano, a exposição pretende estabelecer uma interface entre as práticas de projeto e o debate teórico na arquitetura referente à vida, à natureza e às idiossincrasias associadas à urbanização. A apresentação dos projetos devem comunicar a um público amplo, não especializado, os temas propostos. Buscamos propostas que, por meio de diferentes formatos e mídias, refiram-se criticamente às metamorfoses contemporâneas do cotidiano em todas as suas dimensões.
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