Texto do autor, arquiteto Henrique Pimont
“Cuidado com o que você deseja, pois pode conseguir”. Esse é um ditado bastante conhecido, e fala um bocado do “programa de necessidades”, essa etapa tão importante e desconhecida de um projeto arquitetônico. Ele não se refere apenas a quais e quantos cômodos, de que tamanho, você deseja para sua casa ou empresa, mas o que você espera vivenciar lá dentro. Nem tudo a arquitetura pode te proporcionar, mas em muitas coisas pode ajudar. Nessa casa, em Florianópolis, um programa de necessidades muito específico foi a linha mestra para atingir uma arquitetura tão fora do comum.
A primeira expectativa dos proprietários na encomenda do projeto era resgatar de alguma forma a vista deslumbrante que os levou a comprar o terreno – a baía norte da Ilha de Santa Catarina, desde as ilhas de Ratones – na saída da baía – até a ponte Hercílio Luz, no centro da cidade. A construção da casa vizinha, com sua fachada praticamente “cega” e seu alto volume de reservatório de água, eliminou qualquer chance de terem alguma vista do andar térreo, e mesmo de um segundo pavimento convencional. O projeto que eles já tinham para o terreno perdeu todo o sentido, e quase venderam o terreno. Para felicidade deles e nossa, nos encontramos antes disso.
Conversando sobre a casa, elaboramos o “programa de necessidades”. Um casal maduro, com filhos adultos que já nem moram na cidade, precisa mesmo é de uma casa muito simples, onde possam aproveitar todas as vantagens de um “ninho vazio”. A vida diária já não requer as complexidades de conviver com muita gente dentro de casa, dar privacidade a cada um.
Assim, o projeto nasceu como um salão suspenso 3,5 metros acima do terreno, que se alcançava diretamente da garagem enterrada através de um elevador. Uma casa só com o “2º andar”. O terreno passaria “intacto” sob a casa, mantendo seu perfil original. A partir desse primeiro lançamento radical, algumas ideias do “programa de necessidades” evoluíram. A possibilidade de receber confortavelmente os filhos em visitas ocasionais, a facilidade de vender a casa no futuro levaram o casal a optar por ter sim uma ocupação no nível do térreo, mantendo a ideia de viverem eles sim, suspensos.
O resultado foi então uma casa “invertida”. Áreas de convívio no 2º andar, áreas privadas no térreo. Comprometida ainda com o conceito original do “programa de necessidades”, a casa tem todas as áreas de uso diário do casal no volume suspenso, com grande integração de todos os ambientes. Para usar palavras bastante conhecidas, um belo “loft”, com quarto, sala, cozinha compartilhando um espaço único e voltado para a vista da baía, por cima da construção vizinha.
Os espaços reservados (closet e banheiros, área de serviço e despensa) ocupam a face voltada de costas para a vista. O volume do térreo, fiel à sua tardia inserção no projeto, se destaca como um objeto à parte, tanto na sua geometria, desalinhada, quanto na sua materialidade, opondo ao concreto aparente do volume suspenso, o revestimento de madeira que o caracteriza e garante seu bom desempenho térmico.
A garagem, enterrada no barranco que se ergue a partir da rua, “conversa” em outra língua. Aqui, as linhas se mimetizam com o formato do terreno e o gesto de abrir a entrada para os carros fica bem marcado pelas diagonais em concreto aparente, rústico, que se encarregam da contenção do solo.
Dados Técnicos
Localização – Cacupé, Florianópolis
Projeto – Setembro 2015 a Novembro 2016
Período da obra – Novembro 2016 a Janeiro 2018
Área do terreno: 542 m2
Área construída total: 340 m2
Área do subsolo: 67 m2 . térreo: 118 m2 . superior: 155 m2 . piscina 20 m2
Projeto de Arquitetura: Pimont Arquitetura – Arquitetos Henrique Pimont e Alejandro Ortiz
Projeto estrutural: Projeto + Concreto – Engenheiro Alberto Rodrigues
Administração da obra: Pimont Arquitetura – Engenheiro Eduardo dos Santos