*texto escrito originalmente para o site de conteúdo da Portobello, Archtrends. Acesse aqui.
Como transpor as paredes do isolamento em nossas casas e colocar para fora sentimentos de afeto e protesto? Pois tem um movimento que merece a nossa atenção! #projetemos faz das fachadas nas empenas de concreto da cidade um manifesto utilizando projeções livres de imagens, palavras e frases.
Rapidamente a ação repercutiu em todo o Brasil, e em vários países, potencializando “a política como estética”, como escreveu Giselle Beiguelman, artista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) na sua coluna Coronavida, na revista Select.
Por isso, mensagens como lavar as mãos e ficar em casa em tempos de pandemia é um ato político de consciência, quase uma subversão para o vj Spencer, que há seis anos utiliza a projeção em edificações como forma de manifestação política. “Eu fico vendo os anseios do povo, o que o povo fala e levo pra parede. Hoje o valor é outro, é cívico, é o meu país”, diz o diretor de criação que acredita na força e no papel da sociedade civil.
Diante da pandemia e da necessidade de expressão a partir do confinamento, ele e os amigos vjs Brunna Rosa e Mozart Santos resolveram “organizar a janela” e criaram o movimento coletivo #projetemos no Instagram, como uma “rede mundial de vjs livres para o bem da humanidade”, como diz na biografia da plataforma. “Inventamos um nome pra organizar um sentimento que já havia”, conta Spencer, paraibano que mora em São Paulo.
Juntos convidaram os colegas vjs para formar uma equipe que sabia fazer mapeamento, depois surgiram pessoas de outras áreas interessadas em alimentar esse processo como designers e jornalistas e, por último, houve um grande engajamento de voluntários que queriam participar. “Essa foi a terceira onda, a mais importante, a gente tá dando voz pra uma galera”, contou Santos em uma conversa promovida pelo IAB/SP, no canal do youtube da entidade.
AÇÃO POTENTE
A mídia que incorpora a ideia do tempo real, do processo e da mobilidade não é nova, porém é uma nova maneira de usá-la na opinião de Santos, que mora no Recife, atua em projetos multimídia e é idealizador e motorista da eletrobike, bicicleta com suporte audiovisual com baterias para ativações em movimento. Para Beiguelman, trata-se de um marco na história da projeção na escala urbana: “Nunca houve uma ação em rede deste porte, isso é inédito, mas o mais relevante é que tem um projeto ‘pedagógico’ que é a capacidade de agregar muitas vozes e fazeres neste processo”, disse na conversa promovida pelo IAB/SP. (ouça o ótimo o bate-papo neste link https://www.youtube.com/watch?v=u4EbCkQUzdA)
A janela ganha outra dimensão no contexto do coronavírus na medida em que não se deve sair de casa, portanto é a brecha que nos possibilita o contato com o espaço público. “A janela se reveste de uma importância política decisiva, de uma ocupação estética produtora de linguagem”, afirma a pesquisadora.
Foi nos anos de 1980 que as projeções iniciaram com caráter de intervenção urbana e uma das experiências nesta área é a do artista polonês Kristof Vodisko. Beiguelman diz que após o barateamento dos projetores, nos anos 2000, as projeções retornam ao espaço da cidade relacionadas, principalmente, a produções artísticas. No caso do #projetemos, retoma questões que já apareciam no movimento de protesto Occupy Wall Street, muito marcado por projeções históricas, por exemplo. (Para escutar a fala completa da pesquisadora acesse https://www.youtube.com/watch?v=u4EbCkQUzdA)
PARTICIPE DO #PROJETEMOS
Você pode postar sua projeção e usar a hashtag do projeto, ampliando a voz da sua mensagem. O time do movimento seleciona algumas para documentar no perfil @projetemos, criado para possibilitar o contato com os idealizadores. Em menos de um mês, @projetemos conquistou mais de 10 mil seguidores e já foi matéria em diversos veículos nacionais e internacionais. O trio também criou um grupo no whatsapp, no início aberto, com aproximadamente 200 participantes, para organizar as projeções a partir de uma pauta diária.
O post do movimento que homenageou o Dia Mundial da Saúde revela o engajamento em torno da #projetemos e a união com outros artistas e coletivos no mundo. Entre outros, a ação foi realizada com @Articiclo (Argentina / México), @arte.porelagua (Argentina), @bellvisuals (Washington DC), @piromercosur (Paraguai), @delight_lab (Chile). “Foi um projetaço mundial”, contou vj Santos na conversa promovida pelo IAB/SP, no canal youtube da entidade.
Para Giselle Beiguelman, “a empena é a nova ágora e as paredes falam por nós”, escreveu na revista Select. “Se não podemos ir às ruas, que os prédios falem por nós”, sugere a pesquisadora de arte digital, arte e ativismo na cidade e de estéticas da memória no Século 21. “Fazer política a partir das janelas também é uma forma de preservar a vida da violência das ruas”, opina Spencer.
COMO PROJETAR
A vela pode ser o menor projetor a ser usado para participar do movimento, segundo sugere Spencer. As dicas são simples:
1 – Encontre a parede ideal. Pode ser no prédio vizinho!
2 – Baixe os vídeos e fotos que deseja projetar. Imagens com alto contraste, como em preto e branco, são as melhores
3 – Conecte seu computador a um projetor
4 – Fotografe, filme e compartilhe na rede sua projeção com a #projetemos
O movimento criou uma ferramenta exclusiva para projeção para auxiliar você, acesse: https://www.openprocessing.org/sketch/862450
Imagens: projeções de diversas autorias, em várias cidades e países, retiradas do instagram @projetemos