É sempre um desafio entrevistar Jader Almeida, situação pela qual já passei algumas vezes. Num primeiro momento, parece que tudo já foi dito: os melhores textos escritos, por jornalistas de todos os lugares, livros editados, anuários impressos. No entanto, durante o percurso deste “casamento” de 15 anos entre SOLLOS e Jader Almeida, completados em 2019, o movimento é constante, aprimorado. Por isso, entrevistá-lo também pode ser revelador de pensamentos amadurecidos. Não poderia ser diferente considerando a perspectiva de transformação que acompanha a trajetória da empresa e o legado que vem sendo construído: “Acredito que as gerações futuras irão perceber essa mudança de pensamento, que somos uma indústria com tecnologia e não apenas um catalisador de outras culturas”. (entrevista publicada originalmente no anuário SOLLOS 2019, realizada pela jornalista Simone Bobsin)
As marcas SOLLOS e jaderalmeida construíram uma sólida trajetória iniciada em 2004, parceria respeitada e admirada no mundo do design. Qual a sua avaliação sobre este período?
É uma espécie de matrimônio, com convergência de ideias e pensamentos, e uma percepção conjunta acerca do que nos dispomos a fazer. Outro aspecto bastante interessante é a reciprocidade, o feedback, e em tempo real, porque a materialização das ideias acontece muita rapidamente. Isso faz com que tenhamos uma satisfação mútua, por isso a avaliação mais correta seria essa convergência, com feedback real e um afinamento constante.
Quais valores são constantemente reforçados nesses 15 anos de SOLLOS jaderalmeida, comemorados em 2019?
Acredito que uma palavra define perfeitamente todos os valores: excelência. Buscamos a excelência em todo o processo, do início de um pensamento ao produto, a comunicação e todas plataformas que atuamos, porque entendemos que uma marca é constituída por muitos fatores e não apenas o produto em si.
Construir ou reposicionar marcas é um trabalho complexo. Quais foram as estratégias adotadas para promover as mudanças? Compartilhe dúvidas e angústias que surgiram ao longo do caminho.
Acredito que é, foi e sempre será complexo se reposicionar, mudar, alterar o percurso. Há uma frase de Picasso que diz: “para qualquer construção é necessário uma destruição.” Destruição de hábitos, de mindsets, de atitudes, tudo isso é o que considero complexo no redirecionamento de uma empresa.
Nós nunca nos posicionamos como uma empresa de mobiliário, somos muito mais do que isso, somos uma plataforma de negócios e soluções para vários segmentos. Talvez isso nos dê um pouco mais de fôlego, segurança, ou mesmo de capacidade de se movimentar em outras áreas.
Já as dúvidas e angustias são constantes, sempre acerca da direção, de estar atento, ouvir o que ninguém falou, enxergar o que não existe, ler o que ainda não está escrito. É como costumo falar: sucesso é uma espécie de posição que se ocupa e tem um aluguel muito alto.
Materiais, aprimoramento técnico, identidade, equilíbrio entre a tecnologia e a produção manual são a tônica da produção da SOLLOS. Dentro da indústria e no seu processo de criação, como você responde a questões contemporâneas como a desmaterialização que assistimos a partir da transição do analógico para o digital?
É uma pergunta ampla, qualquer resposta sumária pode ficar incompreensível, mas olhando para algo mais objetivo, essa transição do analógico para o digital está no dia-a-dia dentro da indústria, e no processo de criação, desde o desenho de um produto, que começa em um croqui, numa ideia a partir do lápis e do papel até a impressão digitalmente de um modelo. Essas ferramentas que estão em constante mudança fazem parte do cotidiano do designer. Na indústria não é diferente, uma máquina que era manual passa a operar com tecnologia de um robô CNC (Controle Numérico Computadorizado). Isso é um processo de inovação, portanto, dentro do campo da desmaterialização há muitos aspectos a serem observados.
Como SOLLOS jaderalmeida vale ressaltar uma máxima que reafirmamos: inovação sem revolução, uma surpresa sem ser chocante, uma adição de camadas constantes. Essa é a filosofia da empresa, pautada na elegância, na atemporalidade, na criação de produtos para viajar no tempo. A desmaterialização das coisas orbita dentro desta ótica, do uso das ferramentas disponíveis pra fazer com que o produto, a ideia, sejam aprimorados dentro dos padrões contemporâneos tecnológicos, porém pensando sempre de forma mais romântica: “se queres conhecer o futuro, olhe para o passado”, ou seja, sem passado não há futuro, são pontos que se ligam para formar o presente.
No campo do design, o corpo é o dispositivo principal como partido para a criação?
Considerando vários aspectos, todos os produtos são criados para um fim, para o ser humano manipular, se relacionar com os objetos, pode ser uma caneta, um automóvel, uma cadeira. Nesta perspectiva, não diria apenas que o corpo é o dispositivo principal, mas a maneira de se relacionar e interagir com as situações.
Antigamente eu falava que uma cadeira é o material mais próximo do corpo, portanto demandava muito mais atenção, mas hoje tenho uma percepção mais abrangente, porque acredito que qualquer objeto se relaciona diretamente com as pessoas. O desafio de um designer está muito mais pautado na questão das proporções em todos os sentidos para oferecer conforto ao usuário.
Quais peças são as mais importantes na sua trajetória?
Costumo dizer que não há uma peça, ou alguns produtos importantes, e sim o conjunto. Se você olhar para a coleção e o contexto, verá que olhamos para o todo, desde o cartão de visitas, o estande, uma loja, a vitrine, tudo faz parte da nossa história, que é contada como um todo. Por isso sempre digo que o conjunto da obra é muito mais importante do que uma única peça. A importância está na trajetória e a trajetória está no conjunto da obra.
Você afirma que “o design é o testemunho material do nosso tempo”. Nesse sentido, o design é um instrumento de desenvolvimento cultural? Qual o legado da SOLLOS jaderalmeida para as gerações futuras?
Sim, um pensamento acerca de um produto ou de um sistema será materializado utilizando as possibilidades tecnológicas daquele momento, como também a interpretação do que acontece no mundo. A partir deste ponto de vista, absolutamente um produto representa um desenvolvimento cultural, afinal o objeto transmite o pensamento de determinado grupo naquele momento.
Já falar sobre o legado da SOLLOS jaderalmeida para as futuras gerações pode parecer um tanto prepotente, mas credito a essa transformação que foi realizada na indústria. Mudamos de alguma maneira a forma de ver o produto das casas brasileiras, uma forma mais leve, sofisticada, uma beleza sem esforço, uma maneira de utilizar e combinar os materiais.
De fato, SOLLOS jaderalmeida tem um papel importantíssimo nesta cena, com certeza daqui a algumas décadas, ao olhar pra trás, o que fica é a consistência do que criamos, que no futuro será observado e identificado com muito mais discernimento do que hoje.
Acredito que as gerações futuras irão perceber essa mudança de pensamento, que somos uma indústria com tecnologia e não apenas um catalisador de outras culturas.
O que podemos esperar a respeito dos lançamentos 2019?
A trajetória SOLLOS jaderalmeida é sempre permanente, uma reafirmação de algo que sobrepõe camadas em busca de mais profundidade e contundência, com produtos cada vez mais rico em detalhes. Podemos esperar essa evolução, esse vetor que está em constante ascendência num ângulo não tão acentuado, no entanto, com consistência e continuidade.
No que diz respeito aos materiais, propomos olhar para o que já existe sob outro ângulo. Muitas vezes todas as respostas estão nas nossas mãos, mas acostumamos a buscar longe. Por isso este eterno olhar para dentro e a pergunta: o quê podemos melhorar?
Por exemplo, os vidros espessos moldados como se fossem fundidos em contraste com o metal rústico, o refinamento do metal conificado em conjunto com a madeira resultando numa leveza extrema e plasticidade absoluta, ou ainda a manipulação dos metalizados que formam gradientes, os couros que ganharam tonalidades exclusivas profundas que terão uma relação muito próxima a outros materiais. Enfim, a coleção SOLLOS jaderalmeida é uma incessante manipulação dos materiais, com absoluto e alinhado refinamento, elegância e charme que traduz e transmite o nosso espírito.
Para encerrar, discorra sobre a participação na Semana de Design em Milão e o tradicional lançamento anual exclusivo em São Paulo.
Este ano é uma data comemorativa muito importante para a SOLLOS jaderalmeida, temos muito a celebrar, uma década e meia de crescimento, ascensão em pesquisa, desenvolvimento, equipe. Uma série de ações marcam esses 15 anos a começar pelos lançamentos em São Paulo, que é o ponto de partida para os demais. Depois partimos para a semana de design em Milão onde apresentaremos o conjunto da nossa obra, não apenas produtos inéditos, mas a força e a contundência da marca. Posteriormente, vamos para os showrooms espalhados por todo o país, um momento de confraternizar e congregar pessoas. E, por fim, eventos na América do Norte tanto no Canadá como em Nova York.