A Helena Fretta Galeria de Arte celebra 30 anos no mercado de arte em Santa Catarina. O empreendimento iniciado em 1991 é uma das referências comerciais da rua Presidente Coutinho, 532, na região central de Florianópolis (SC), onde Helena conduz o trabalho que se insere no sistema de arte do Estado, ao responder pelo mercado, a venda de obras estimulada pela realização de exposições, leilões, atividades de formação cultural, grupo de estudos de história da arte, a mediação com artistas, instituições museológicas, gestores, colecionadores, historiadores e interessados por arte.
Além de estimular trajetórias, atuar com acervos, catalogações e precificação, ao longo do tempo, Helena influencia vidas e ações situadas no entremeio da produção artística moderna e contemporânea do Estado. Trabalho e persistência são palavras que explicam a continuidade de um projeto pessoal em um ambiente de dificuldades para o exercício e o reconhecimento da arte. Ela enfrenta os desafios, aponta soluções e ajuda a renovar as leituras estéticas.
Uma recente reforma na casa abre espaço à arte contemporânea, busca novas interlocuções e histórias. Nesta conversa com as jornalistas Néri Pedroso e Simone Bobsin, ao sabor das lembranças, Helena pensa a própria atuação. Nascida em Criciúma em 1948, casada, mãe de quatro filhos e avó de seis netos, tem formação universitária e o pendor para a história. A galeria surge após a aposentadoria no magistério
Um ponto de encontro e estudo, a galeria funciona como uma rede de comunicação e pesquisa que aglutina memórias valiosas que estão inseridas no passado e no presente da Capital e da arte de Santa Catarina. Para comemorar, realizou a exposição “Constelações em Acervo – Trinta Anos de Memórias”, resultado de uma residência de pesquisa de quatro curadores na mapoteca da galeria de onde saíram obras de 52 artistas.
Melhor deixar Helena Fretta falar e lembrar. Ninguém pode fazer nada sozinho, diz ela, situando que a venda de uma obra de arte pede todo um envolvimento, sobretudo conversas. Às vezes demora um ano ou dois até a compra ser fechada. “As pessoas que vêm, os colecionadores, as que gostam de arte, elas se tornam amigas, é um prazer conversar, porque não é qualquer pessoa que gosta de arte, é alguém que traz informação, viaja, entra na internet, pesquisa, torna aquilo muito gratificante, é importante as pessoas visitarem as galerias, não só a minha, porque o olhar e o entendimento modificam.”
O que destaca, em síntese, na sua biografia?
Helena Fretta – Eu sou da área de história, gosto muito de história, do passado, de como foi a sua história. Biograficamente, tenho que começar por onde nasci, em Criciúma, no Sul de Santa Catarina, do que me orgulho porque foram uma infância e juventude muito boas. Ali, fiz o primário, o segundo grau, me formei no curso normal no colégio Madre Teresa Michel, uma referência na época e até hoje. Minha mãe, Gerda Becke Machado (1920-2001), foi uma pessoa muito forte, de descendência alemã, eu tenho nela todas as referências. Meu pai, mais simples, mas de uma visão grande, foi sócio de uma empresa de ônibus pioneira no Sul, chamada São Cristovão. Começou muito simples, ele era mecânico, daí evoluiu bastante. Tenho quatro irmãos, o Edson, o mais velho, eu, Helena, Doris e Paulinho, alguém maravilhoso que a vida deu, com ele alcancei a noção do que é ter uma criança especial em casa. Com síndrome de Down, Paulinho teve uma vida normal, não era trancado em casa, saía, tinha amigos, as pessoas gostavam dele. Só notei que ele era diferente quando eu devia ter uns nove anos. Ele viveu até os 52 anos, era muito conhecido. Minha mãe teve uma visão educacional muito grande. Então, tive uma base de educação muito forte. Minha mãe foi a primeira mulher em Santa Catarina a ser inspetora regional de educação, primeiro como professora concursada, depois diretora, inspetora escolar, que indicada, atendia uma região grande. Tem histórias maravilhosas sobre ela, de incentivo à mulher, ela ajudou muito as mulheres daquela região. Muitas professoras têm depoimentos maravilhosos sobre a vida dela. Eu venho de uma estrutura forte, a minha avó quando veio da Alemanha, era enfermeira da Cruz Vermelha, meu avô era engenheiro, tem muitas histórias sobre eles, estou dando leves pinceladas sobre como eles vieram e tiveram toda essa participação dentro de Criciúma, uma cidade interessante, tem pessoas maravilhosas, amo o lugar que no meu começo me incentivou quando fazia eventos, leilões ou exposições. Eu era muito prestigiada, eles ficavam felizes porque alguém dali estava fazendo algo diferente com arte. Sempre tive um público bom, foi muito importante para mim.
Em que cidade começa o trabalho como galerista?
Helena – Em Florianópolis. Não tinha nenhuma atividade. Nem imaginava que seria galerista, sempre fui uma pessoa que gostava de arte, lia muito, a família era voltada para isso, a minha mãe se formou no Colégio Coração de Jesus, em Florianópolis, ela iria fazer belas artes na Alemanha. Meu tio ia estudar medicina e ela, belas artes, mas a guerra (1939/45) impediu.
O interesse familiar pela cultura influencia a escolha das atividades profissionais? Vê alguma constituição disto na infância por influência materna?
Helena – Sim, muito! Minha mãe foi diretora do principal colégio em Criciúma, ela tinha um grande sentido social, procurava fazer festa junina, desfiles, tudo em função do próprio colégio, tinha uma fanfarra, lembro que em todo Sete de Setembro a alvorada era na nossa casa, era bonito, tinha museu, educação artística e aulas voltadas para a comunidade, para que as pessoas se envolvessem em função do colégio, do grupo escolar. Ela tinha esse lado artístico, com as devidas limitações, procurou incentivar a cidade.
As artes visuais entram como e quando?
Helena – Casei cedo, com 19 anos. Ao casar, fui morar em Tubarão. Formada no curso normal pensava que ali seria do lar. Já dava aula em Criciúma como professora substituta, uma pessoa que já está num movimento destes, não fica só do lar! Sou da primeira turma da Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina, hoje Unisul, na área de história, na época estudos sociais. Sou do primeiro concurso público do Estado para a chamada aula de excedentes, fui efetivada em Tubarão como professora de história. Meu marido, um dos sócios das lojas Fretta, veio para Florianópolis, dez anos após a enchente de 1974. Tenho histórias da enchente, saí de canoa de casa pela janela, uma experiência traumática, eu disse, aqui não fico mais! Levou dez anos para sair! A oportunidade e a alegria vieram com a filial Fretta na Capital, onde fui trabalhar na Escola Básica Profª. Otília Cruz.
Como começa em Florianópolis?
Helena – Estamos há mais de 40 anos em Florianópolis. Fui professora, consegui trabalhar na Escola Otília Cruz, uma experiência muito boa, gratificante, conheci pessoas interessantes, professores e alunos abnegados. Depois, surgiu a oportunidade na Secretaria de Educação, onde fiz o meu doutorado em saber lidar com as pessoas. A Secretaria era muito forte, eu trabalhava na assessoria especial e, depois, na assessoria jurídica, onde terminei a carreira. Como é que começou a galeria, a pergunta mais interessante? Por que, como foi? Eu gostava de arte, mas como qualquer um, comprava, apreciava, conhecia os artistas de Santa Catarina, comecei uns três anos antes de me aposentar muito cedo. Quarenta e cinco anos! Me achava velha. Hoje me sinto mais jovem do que na época (risos). O que fazer? Pensei em entrar no mestrado, gostava de pesquisa histórica, mas decidi fazer algo já encaminhado, abri uma pequena galeria, um pequeno ponto, na avenida Beira-mar. Eu não tinha bem definido, achava importante ter uma galeria, mas me achava incapaz, eu não era uma marchande. Comecei com uma amiga de Minas Gerais, que fazia tapetes arraiolos, e com algumas obras de arte daquele Estado. Hoje penso, meu Deus, assim sem me organizar, meio intuitivo, espontâneo, queria algo pequeno, achava que não tinha condições de trabalhar. Queria pequeno, só que cresceu!
Como era a cidade, que consumidor buscava?
Helena – Não tinha, abri sem focar nada. Tinha o Zeca D’Acampora (1948- 2008) e a Rosinha Corrêa, que eram os fortes. A ideia não era competir. Queria e nisto continuei firme, meu foco era trabalhar e divulgar o artista. Trabalho com outros artistas, mas desde o início o foco é o de Santa Catarina.
Começa com quais artistas?
Helena – Sílvio Pléticos (1924-2020), Vera Sabino, Hassis (1926-2001), meu grande amigo que vinha me visitar na galeria todo o sábado, Caio Borges, que estava começando. Mais firme, fiz uma exposição de inauguração com obras de Caio, Pléticos e Vera. Veio até um ônibus de Criciúma. Criei o Fundo de Investimento em Obra de Arte, contei com um grupo de pessoas que deram o suporte para continuar, ir adiante, aguentar as despesas.
Ainda não existiam os conceitos de curadoria, expografia, mostras…
Helena – Fazia tudo, curadoria, sem saber que era curadoria, expografia, escrevia. Na primeira exposição, contratei um jornalista, ele fez a assessoria de imprensa. Ele escreveu os textos, deu essa força. A gente resolvia, escrevia, pendurava os quadros, fazia tudo!
Havia uma sensibilidade para a valorização da arte feminina?
Helena – Nem se falava, era tudo junto. Retrocedendo, hoje é difícil alguém colocar uma galeria, as exigências são muitas, como o acompanhamento de profissionais com treinamento, pessoas que precisam ter muito amor pela arte. Realmente, a arte salva, ela é algo que, não sei porque, deixa feliz (risos), ficamos felizes, alegres. Essa conversa aqui sobre várias situações me deixa nostálgica e contente. Esse é o verdadeiro sentido! Quem pensa, ao entrar neste ramo pensando no valor financeiro imediato ou não, não fica! São muitos detalhes, muitas conversas, muita coisa, você não pode dizer que sabe tudo, sabe que sabe, não sabe nada! Quando comecei, conhecia todos os artistas, alguns, os mais … quando chegava alguém e fulano de tal? Eu parava porque não conhecia, meu deus! Eu enrolava. Hoje não! Se falam sobre fulano de tal, se não conheço, não sei quem é, vou verificar. Mas, antes, pensava que se eu não conhecesse poderiam me achar incompetente. Não se tem condições de conhecer todos.
Ao longo destes 30 anos você estabeleceu critérios. Como escolhe os artistas?
Helena – Apanhei muito nisto, porque não era só o que eu gostava. Tinha de saber se teria condições para colocar à venda. Hoje não, hoje tenho argumentos para dizer porque a obra é boa. Mas na época era mais intuitivo. É muito difícil chegar para um artista, muitas pessoas vão para uma aula de arte e se acham artistas, fazem uma tela bonita, uma ou duas, vendem para o vizinho, a prima e o avô, depois vem à galeria, mas ele é fraco, não tem embasamento teórico, não estuda, não é um artista de ofício. Isso é o principal no momento! Agora, cuido mais ainda disto, é o artista de ofício, aquele que você nota que gosta, que faz, quer e tem a alma de artista! Posso não gostar da obra dele, mas eu respeito e procuro incentivar esse artista.
Como trabalha as vaidades?
Helena – O verdadeiro artista, a gente sabe, não aparenta a vaidade. Os artistas mais importantes com quem trabalho são mais fáceis. Difícil está sendo agora com o artista iniciante, esse tenho que ver mais, conversar, em primeiro lugar acham que a obra vale uma fortuna, não sabem o caminhar de um artista de peso para chegar onde chegou. Em segundo lugar, querem retorno imediato. Não existe. Em terceiro, acham que as redes sociais vão salvá-los. Na mídia digital as vendas são poucas pelo montante, não é bem assim. Lógico, não desprezo as redes, falo de venda na mídia digital em que só se vende o barato, papel, gravura, reprodução. Agora, a arte mesmo não é assim, o nosso grande foco atualmente é o jovem colecionador, aquele que gosta de arte, não se acha colecionador, mas já está no caminho. Esse deve vir à galeria, procurar alguém que entenda de arte, se inteirar mais sobre a compra, o que é ser um colecionador, qual o principal, o que pode dispor para a compra de uma obra no mês ou em dois ou três meses.
Arte é um bom investimento?
Helena – É um excelente investimento, desde que haja uma orientação correta, saiba comprar e com o tempo o colecionador vai ficando mais criterioso. No início, compram de tudo, depois vêm na galeria, começam a selecionar, esse é o nosso trabalho, ensinar como têm de se posicionar. Alguns jovens estão começando, estão vindo. Qual é o grande problema? Eles têm que vir à galeria, ir aos museus, as instituições de arte para acostumar o olhar, ver o que gostam ou não, se não ficam sempre os mesmos. Eles têm que entender, os mais velhos também, que é diferente um artista de ofício de um que começou ontem, deu três pinceladas e hoje está comercializando. Eles têm que saber se esse artista vai continuar, o que é muito difícil até para mim. No investimento no novo, se ele vai continuar, se vai trabalhar, estudar.
O galerista precisa ter uma boa dose de sinceridade educada, um refinamento tanto com o investidor quanto com o artista.
Helena – Com o artista eu me preocupo muito, porque ele vem com uma ilusão de que o trabalho dele é bom e que está no caminho. Na hora em que cria coragem e vem conversar, você não pode tirar as ilusões dele! Sempre parti do seguinte princípio, tem que incentivar tudo, de repente ele pode encontrar um outro caminho ou situação através da arte.
Você se arrepende de algo em algum momento?
Helena – Eu me cuido muito e agora mais ainda. Peço para mandar imagens, faço uma triagem. Realmente vejo todos, porque pode ser alguém que tenha uma história diferente. Os funcionários mostram as dúvidas, porque aqui é um trabalho conjunto, todos sabem de tudo e trabalham em tudo, não tem um com uma função x ou y. Os problemas tentamos solucionar juntos. Não posso tirar ilusões, isso é sério. Procuro indicar umas aulas na Udesc como aluno ouvinte para entender e estudar um pouco mais de arte. Quando precisa de desenho, recomendo a Meg Tomio Roussenq, ela é excepcional também na pintura. Se é o que quer, faça umas aulas, o caminho acima de tudo é estudar, pesquisar, trabalhar.
Em quem colocou o olho e já percebeu o futuro?
Helena – Rodrigo Cunha. Vi um futuro maravilhoso, um excelente artista já ali, apesar de saber de início que não teria tantas condições de desenvolvê-lo. Depois conseguimos.
Por que não seria aceitável de imediato a pintura do Rodrigo?
Helena – É uma pintura muito forte, eu sempre gostei. Ele teve várias fases, sempre muito boas, só que eu ainda não tinha uma clientela que olhasse e respeitasse o trabalho dele. Quando tive e vi que alguns poderiam se interessar, eu chamei, porque não poderia colocá-lo na galeria e não vender nada, iria desestabilizar talvez emocionalmente. É um processo, precisa de psicologia, de conversa, tem que ter principalmente com os artistas uma relação muito grande. Tenho uma longa relação com o Rubens Oestroem. Desde quando ele voltou da Alemanha, a relação foi se estreitando. O Lindote também. Às vezes, estou cansada, mas uma conversa com eles faz com que eu me sinta melhor, já levanta, as ideias já são outras. São vários artistas com quem a gente tem essa empatia. Muitos diferentes, todos têm uma maneira de expressar sua pintura.
Pessoa resiliente, a capacidade de renovação. As exposições do momento e a sua fala demonstram um permanente ajuste ao panorama e as práticas do circuito que se modificaram nos últimos anos. Como é Helena na sua capacidade de mudança?
Helena – A galeria sempre foi antes e depois do professor Otto Francisco. Quando ele começou a dar o curso aqui, eu já tinha ideias, mas ele abriu um horizonte em que enxerguei o caminho. Talvez ele não tenha ideia de como nestes 12 anos foi importante não só para mim, mas também aos que fazem o curso e gostam de arte. Além dele, outras pessoas trouxeram uma bagagem, elas fazem parte e se tornaram muito importante. A pandemia foi uma época muito difícil para todo mundo, para mim foi horrível, me enfiei no trabalho, tinha que esquecer situações. Um pouco antes, fizemos a exposição da Juliana Hoffmann, quando através da Rosângela Cherem conheci a Thays Tonin, atual curadora da galeria. Para tudo isso precisa ter uma certa alquimia, encontrei uma pessoa com uma visão grande, uma profissional, uma professora. Agora, temos alunos que fazem a mediação, tenho condições de fazer outras coisas. Ninguém pode fazer nada sozinho! Precisa-se de todo um envolvimento porque a venda de uma obra de arte pede conversa, às vezes demora um ano ou dois, mas sai. As pessoas que vêm, os colecionadores, as que gostam de arte, elas se tornam amigas, é um prazer conversar, porque não é qualquer pessoa que gosta de arte, é alguém que traz informação, viaja, entra na internet, pesquisa, torna aquilo muito gratificante, é importante as pessoas visitarem as galerias, não só a minha, porque o olhar e o entendimento modificam.
Além do ordenamento geográfico em torno da representação dos artistas há outras peculiaridades em relação à concorrência. Lembro da atuação de Marina Mosimann, em Joinville, Beatriz Telles Ferreira, em Florianópolis e Lindolf Bell (1938-1998), em Blumenau.
Helena – Marina tinha uma visão mais ou menos parecida com a minha. Como venho de uma área educacional e formação em história, era um outro caminhar em relação ao dela. Foi uma pena que Beatriz tenha saído do mercado, embora com outra linha, movimentava o mercado. Em outro tempo, tinha a Rosinha Correa que não continuou; em Balneário Camboriú tem Zezo Zimmermann, da Galeria Z/Z. Nesta atuação é preciso ter uma certa persistência, não pode esperar um resultado rápido, tem que caminhar. Nós no Sul, sempre digo, temos de colocar um pé bem ali, para depois colocar o outro. E mesmo assim é difícil.
E a reforma no porão da galeria em plena pandemia? O que motivou?
Helena – É um plano muito antigo, era o depósito, onde colocávamos parte do acervo da galeria, papeis, fotografias. Aquilo me agoniava, precisava e queria fazer. A decisão tomada e executada, acho que o universo virou, as coisas todas, eu não podia e nem queria pensar, então me joguei. Na época da reforma, estava um horror, pensei que não ia ficar pronto! A Thays foi a grande incentivadora, o projeto é de dois jovens arquitetos: Estela Camillo e Miguel Mincache, ambos alunos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a supervisão técnica da Bittencourt + Mincache Arquitetura. Eles entenderam o que eu queria, algo bem contemporâneo, um espaço para mostrar o que a contemporaneidade está fazendo em Santa Catarina, além de criar um projeto para artistas novos para incentivar, porque é difícil entrar numa galeria. Lembro o escritor Leon Tolstoi (1828-1910): “Se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia”. Isso é o mais importante, a partir do momento em que tive essa leitura. Venho da área educacional, tinha dificuldade para oferecer a venda, como vou oferecer algo a um amigo? Daí li um livro, nele se dizia que o melhor vendedor é o bom professor porque ele vende a coisa mais difícil do mundo que é a ideia. Pronto! Sempre fui considerada uma excelente professora, modéstia à parte. Sempre gostei de dar aula.
TEXTO CURATORIAL DA EXPOSIÇÃO DOS 30 ANOS
Qual é o atual cenário do mercado de arte?
Helena – Os que vêm de fora têm uma falsa impressão, vão em Jurerê Internacional, na avenida Beira-mar, tudo é maravilhoso, lindo. Temos condições, por que não vender mais? Com tristeza digo que não temos um mercado como em São Paulo ou Curitiba – onde, aliás, tive uma galeria por quase nove anos. Quando recebo um casal na galeria com filhos pequenos, eu me aproximo, em sua maioria não são daqui, são de São Paulo! Nesta exposição tive a grata surpresa de receber visitas de jovens de Chapecó, de Balneário Camboriú e outras cidades, uma clientela que não vinha e que precisa vir, sei que não comprarão hoje, comprarão amanhã, tem que conhecer, saber o que estão vendo. Onde está a falha, o erro? Nas escolas? A formação está onde? Nas escolas, eu acho. Faço as exposições, mas conto nos dedos os professores que visitaram a galeria nesses meus 30 anos. Há uma legislação estadual que obriga os professores da rede pública a dar não sei quantas aulas sobre artistas de SC. Alguns se apavoraram porque não tinham material. Precisamos acima de tudo de incentivos, na rede pública e também na privada. Nós da área, somos pioneiras, perseverantes, vamos em frente. Fico feliz quando vejo algum artista daqui sobressaindo, mesmo que não trabalhe com ele, é o ideal, conseguiu romper as barreiras. O problema maior com os artistas, alguns já estão mudando, é que eles acham que só vão fazer sucesso se forem para São Paulo. E não é bem assim! Mudou toda a história. São Paulo é consequência. Minha ideia é que eles têm que valorizar muito mais Santa Catarina, todos nós! Todos temos que nos abraçar.
Nestes 30 anos há momentos mais intensos do que outros?
Helena – Em termos financeiros, o começo foi muito bom. Um amigo americano do ramo financeiro, ao saber que estava dando certo, disse: “Não esqueça nunca que a moeda tem duas faces”. No começo, colocava os quadros, fazia propaganda, abria a exposição com ela praticamente vendida. Hoje está melhor em outro sentido, tem mais mecanismos para trabalhar, para conversar e pesquisar, mais pessoas interessadas, mais movimento, mais segurança, você não é responsável por tudo, pelo escrito que vai na parede, pela matéria, contratamos outras pessoas e trabalhamos juntos.
De volta aos anos 1990, quando tinha mais galerias…
Helena – Era bom, mas não existia tanto profissionalismo dos artistas. E nem sei como atravessamos aquele turbilhão (risos). Era agitado. Também se trabalhava com muitos artistas do eixo Rio-São Paulo, não era tão direcionado, hoje há uma direção, na hora em que vende um artista tem de vender a ideia total, ele, o que faz, o que poderá fazer. Tem todo esse trabalho, não é só porque o artista morre que o preço vai subir, não! O circuito de Florianópolis é mais forte. Eu sou do interior, vou a Criciúma e me apavoro, temos a universidade lá e grandes artistas como o Janor Vasconcelos, que está num patamar, mas falta realmente uma educação cultural. Como antes compravam obras? Compravam muito mais! O que aconteceu com os filhos dos grandes compradores, que não adquirem mais nada? É algo para fazer um estudo voltado para essas situações. Tudo bonito, tudo muito bem, mas tem que vender. Eu não sou institucional, temos que vender para que o artista sobreviva também. Meu prazer é quando eu vendo alguma coisa e comunico ao artista, tenho uma satisfação enorme, porque não é só eu, acho até que fico mais feliz que eles, pela valorização e o trabalho feito.
Quais são os momentos memoráveis, o que foi marcante?
Helena – A inauguração e quando adquiri o espaço na Presidente Coutinho, algo que sempre quis. Bem antes da compra, sonhava com essa rua, procurava com o meu marido, mas a situação com quatro filhos e tudo mais, eu dizia “seria o ideal, como gosto daqui”. A primeira galeria foi na avenida Beira-mar, na frente do Shopping Beiramar. Quando veio o shopping, pensei que seria ótimo, mas foi a maior decepção porque perdi até o estacionamento, todo mundo estacionava ali na frente. E caminhando, vimos eu e meu marido que a casa aqui estava para alugar. O meu marido disse “aqui é um bom lugar”. Acertamos e eu fiquei ao lado, fiz uma reforma e uma exposição para mim muito importante, maravilhosa com o Willy Zumblick (1913-2008), assim como todo o galerista quer, vendemos tudo e mais um pouco, obras relativamente caras para a época. Outra situação interessante, ainda no primeiro endereço, fiz uma assessoria de imprensa boa, a exposição de Caio Borges, Vera Sabino e Pléticos. Daí, a casa ao lado ficou à venda, era cara, ninguém comprava. Uma amiga que me incentivava muito, perguntava se eu não iria comprar, eu não tinha o dinheiro. Só comprei quando ela disse que iria comprar (risos), às vezes a gente precisa de uns empurrões. Rápido, vendi um apartamentozinho e cá estou eu hoje, tenho um ponto excepcional. Outro momento que considero importante foi o que marcou os 65 da Seleções no Brasil. A revista fez exposições no Brasil inteiro em espaços institucionais, só que o Centro Integrado de Cultura (CIC) estava em reforma, e eles fizeram comigo. Outra exposição foi a do Rubens Oestroem em 2015 fizemos uma retrospectiva e lançamos o livro dele, e “Dos Arquétipos – O Poder das Imagens” (2016), a última individual do Rodrigo de Haro (1939-2021), um espetáculo! Foram exposições memoráveis.
Artistas participantes da exposição que marcou os 30 anos
“Constelações em Acervo – Trinta Anos de Memórias”
Adriana Füchter, Aldo Beck (1919-1999), Ana Sabiá, Beatriz Harger, Beta Monfroni, Betinha Trevisan, Boris Kossoy, Caio Borges, Cassia Aresta, Clara Fernandes, Dirce Körbes, Eli Heil (1929-2017), Elke Hering (1940-1994), Glaucia Olinger, Hassis, Ilca Barcellos, Jair Martins, Jairo Valdati, Janaína Corá, Janor Vasconcelos, Joyce Mussi, Juliana Falchetti, Juliana Hoffmann, Kamilla Nunes, Katia Canton, Letícia Cardoso, Leticia Ichnaz, Lindote, Lucas Flygare, Luciana Knabben, Luciana Petrelli, Lucila Horn, Malinverni Filho (1913-1971), Martinho de Haro (1907-1985), Meg Tomio Roussenq, Meyer Filho (1919-1991), Paloma Gomide, Paulo Gaiad (1953-2016), Pléticos, Priscila de Carvalho, Rodrigo Cunha, Rodrigo de Haro, Rubens Oestroem, Sara Ramos, Schwanke (1951-1992), Suely Beduschi, Susana Bianchini, Vecchietti (1933-1993), Vera Sabino, Walmor Corrêa, Willy Zumblick e Yara Guasque.