Mãe, artista, CEO da empresa Nó Petit, produtora cultural, artista, professora e bailarina, Maria Claudia Reginato, chamada como Clau pelos amigos, parceira do artista Rodolfo Lorandi. Nesta entrevista exclusiva e rara, porque Clau é extremamente discreta, ela fala sobre a própria vida, a maternidade, a Miscelânea em Dança, evento que ela produziu e encerrou ontem (dia 11/10) reunindo pesquisadores de dez Estados brasileiros, interessados em dança e, ao mesmo tempo, em questões de gênero, sexualidade, raça, classe, política.
Clau também avalia o cenário de dança de Santa Catarina com o olhar crítico, lamenta o preconceito com relação às danças populares, à de salão e as folclóricas, “sempre postas de lado quando se fala em dança contemporânea. Mas vale lembrar que dividimos o mesmo tempo e as mesmas questões, então sim, é possível falar de paradigmas contemporâneos dentro delas”.
Envolvida com a dança de salão, a artista dirige executivamente os projetos da Grão Cia. de Dança, de Florianópolis, atua como diretora ou produtora e bailarina nos projetos culturais como Miscelânea em Dança – que já alcança sete edições, Semana Dança na Escola SC (Elisabete Anderle 2019), Residência em Multiarte e Economia Solidária (Elisabete Anderle 2017), entre outros.
Clau também circulou com os espetáculos “Karma” (Klauss Vianna 2015 e Elisabete Anderle 2017/2020) e “Moebius” (Klauss Vianna 2015 e Elisabete Anderle 2015/2020). Foi professora e auxiliar administrativa pela Cenarium Escola de Dança (2013/2019) e dançou no grupo experimental Kirinus (2012/2014).
Miscelânea de Dança alcançou a sétima edição, o que não é pouco num cenário de áridos recursos para o campo da arte e cultura. Que avaliação faz desta conquista e continuidade?
Maria Claudia Reginato – A sensação é de que está cada vez mais raro ter recursos. Estão cada vez menores para demandas cada vez maiores. Embora o prêmio Elisabete Anderle seja importante, ele tem pautas e demandas que não correspondem aos valores. A verba é desatualizada e os prêmios são baixos para a qualidade dos projetos do setor. Todavia ficamos felizes com mais um prêmio, mas ao mesmo tempo é impossível não olhar para artistas e produtores que não têm acesso a esses recursos, precisamos de mais. Então, a avaliação é de realização, mas, em parte, é de quase nenhuma perspectiva de continuidade.
Quais no seu entendimento seriam os maiores atributos e as maiores dificuldades na produção da Miscelânea?
Maria Claudia – Se é miscelânea é porque tudo nos atravessa. Não há prática no mundo que não precisa estar aberta. E carregar esse nome nos dá uma liberdade e realização para poder diversificar a discussão e se abrir para outras perspectivas. Ao mesmo tempo, isso torna o evento complexo. É difícil explicar, resumir. Pôr no projeto. Explicar ao apoiador, etc. Mas também, assim, conhecemos pessoas que nem imaginávamos que conheceríamos, dançamos com todas essas potências.
Comente um pouco sobre neurodiversidade em movimento, o tema desta Miscelânea? Qual a sua avaliação sobre a edição?
Maria Claudia – É um tema que faz parte da pesquisa de doutorado do Rodolfo Lorandi, o diretor do evento. Como mãe, hoje, confesso que minha cabeça está mais em partes logísticas e executivas da produção, do que a questão conceitual e filosófica. Mas é um tema belíssimo. É delicado e potente, é frágil e multiplicativo. É sobre a nossa vulnerabilidade e diversidade como pessoas. Mais diversidade, mais pluralidade. É assim que Tainá, nossa filha, pode crescer e acho que me sinto bem em saber que essas escolhas nossas, hoje, podem criar melhores perspectivas para seu amanhã.
Com atuação múltipla, você é gestora, artista, bailarina e professora de dança, administradora da empresa Nó Petit. E, às vezes, atua como produtora. De todas essas atividades qual é a que te dá mais prazer?
Maria Claudia – Isso é um pouco do querer se envolver com arte e dança. Em razão disso, se assume um monte de função para dar conta, para conseguir realizar, conseguir ganhar um valor mínimo. Mas eu sempre fui mais do fazer, estar, ensaiar. Ser bailarina sempre foi o que me deu mais prazer. Hoje, com a pandemia e a necessidade de estabilidade financeira, tenho a loja, um brechó infantil, que adoro tocar com minha mãe e sócia. Mas, e mais que tudo isso, hoje sou mãe e nada na vida tem me dado mais prazer que viver a maternidade.
Poderia falar um pouco sobre a sua carreira de bailarina? O que destaca em sua trajetória pessoal?
Maria Claudia – Norte do Brasil. Nos tempos do Prêmio Klauss Vianna de Dança, Rodolfo, eu, e duas outras mulheres da equipe, na época, Dayane Ros e Carol Duarte, circulamos uma performance pelo Norte do País. Fomos para quatro Estados, conhecemos artistas diversos, dançamos em espaços especiais, foi uma linda experiência. Tivemos a oportunidade de voltarmos lá depois com toda a Cia. Grão. Nessa última com uma equipe muito maior, mas tão especial quanto.
Como vê e como se situa dentro do circuito de dança contemporânea de Santa Catarina? Como vê a dança de salão dentro deste cenário?
Maria Claudia – Tem tudo a ver com a pergunta anterior. Naquele trabalho fomos, provavelmente, o primeiro duo de danças de salão a circular o Brasil por um edital assim. O mesmo aconteceu com os Elisabetes Anderles que conquistamos. E isso não é algo bom, na verdade é uma crítica. Danças populares, de salão, folclóricas sempre foram postas de lado quando se fala em dança contemporânea. Mas vale lembrar que dividimos o mesmo tempo e as mesmas questões, então sim, é possível falar de paradigmas contemporâneos dentro delas. Acho fundamental, por sinal, e talvez esse seja um motivo para a gente ter tido alguma continuidade com estes projetos. É preciso falar mais de dança de salão e, ao mesmo tempo, de sexualidade, raça, gênero, classe, politica, etc. É assim que a dança de salão precisa se situar na cena, hoje.
Dança e maternidade. Embora seu companheiro, Rodolfo Lorandi, seja um pai atuante, inegavelmente a maternidade limita a atuação profissional feminina. Como você encara a questão, como se organiza diante da maternidade?
Maria Claudia – Não são só limites físicos, mas sociais, financeiros e, com certeza, emocionais. Você simplesmente não tem tempo e cabeça, para nada. Levou um tempo para conseguir voltar e tocar os projetos com Rodolfo. Em acordo, combinamos que ele continuaria com sua pós e tocando esses projetos, então seguimos. Sinto que ele também não tem cabeça, mas fico feliz que juntos conseguimos conciliar, dividir, criar e trabalhar. Mas a maior dificuldade é, com certeza, se sentir bem consigo, com cabeça, com vontade, com tempo. A maternidade sempre foi uma vontade, foi planejada e hoje é minha prioridade. Seguimos dançando a dança da vida.
Você gostaria que a filha Tainá fosse bailarina?
Maria Claudia – Eu idealizo viver em mundo que ela possa ser o que sentir que é, fazer escolhas, ser respeitada. A dança me deu coisas boas e calos, mas é possível ser plena e feliz em qualquer área. Se ela se ver como mulher, como dançarina, como artista, que tudo isso seja por escolha e que eu tenha dado ferramentas críticas para ela pensar sobre. E opções. No fim eu gostaria de viver em um mundo assim, embora sinta que esse mundo, no Brasil, está demasiado complicado.
Você e Lorandi quase sempre atuam juntos em cena e na produção de seus projetos artístico-culturais. Sob o ponto de vista do feminismo, como se dá essa relação? Como analisa a questão do feminismo na dança num momento em que se fala tanto em inclusão e igualdade de direitos?
Maria Claudia – Somos bem parceiros. Discutimos, temos combinados, liberdade, podemos falar sobre tudo. Dançamos isso em nosso espetáculo “Karma”. Mas sinto que somos privilegiados. Falta muito, é muita luta. Ainda hoje tem quem defende a submissão da mulher ao homem e ainda o faz dizendo que é “por que deus quer assim”. Não sou tão atuante quanto gostaria. Mas sinto que, dentro do meu alcance, na criação de Tainá, nas escolhas com Rodolfo, nas discussões que levamos para nossos familiares, nos temas que propomos em nossos trabalhos artísticos, alcançamos alguma coisa que vale sim a pena. Fazemos nosso pouco e muito. Nos sentimos incapazes, claro, de tudo que é preciso, mas também um calor no coração com as mudanças pequenas nas relações que vivemos.
Pandemia, dança e maternidade. Nesse atravessamento, o que mais se ganhou, o que mais se perdeu?
Maria Claudia – Fomos mãe e pai, eu e Rodolfo, no mesmo mês que a pandemia estourou. Ganhamos o privilégio de poder ficar 24 horas com a bebê que chegou. Sem pandemia, não teríamos tido a oportunidade de vivenciar o primeiro ano da Taina tão de perto, e isso foi muito especial. A loja se segurou on-line. Rodolfo manteve as aulas na Universidade Regional de Blumenau (Furb) também on-line. A família em volta ficou toda junta, acolhida e acolhendo. Ao mesmo tempo, se perdeu o que era mais forte em nosso trabalho, o contato, a condução, o dançar com outra pessoa, o toque físico, o dividir movimento. O que ganhamos e fortalecemos mil em afeto entre nós, núcleo familiar de recepção da bebê, perdemos com o mundo lá fora.