matéria publicada originalmente no site Archtrends
Projetos adiados, isolamento social, o caos pandêmico potencializou o resgate da pintura pelo artista Eduardo Srur, técnica com a qual iniciou sua trajetória nos anos 1990. “Foi um reencontro com a origem pictórica”, disse em entrevista, por telefone. A série Natureza Plástica ainda inédita, novamente joga luz sobre um tema recorrente na obra de Srur: a questão ambiental. “O plástico sempre me incomodou, o que a sociedade descarta, a arte ressignifica”, afirma. Ao contrário das grandes intervenções públicas pelas quais ficou conhecido mundo afora, nesse trabalho o artista imprime a delicadeza do gesto para dar forma a telas que substituem as tintas e pincéis pelo plástico, recriando obras icônicas do mundo da arte.
Natureza Plástica será exibida pela primeira vez em outubro, na inauguração da galeria própria do artista, em São Paulo, que terá visitas agendadas. Em paralelo, no mesmo período, Srur lança a plataforma virtual para visita guiada na galeria, além de realizar três grandes intervenções simultâneas na capital paulista que irão tratar sobre a liberdade.
A série composta unicamente de sacolas plásticas recolhidas nas margens dos rios, ruas e cooperativas de reciclagem começou a ser desenvolvida em 2019, quando o artista expôs alguns quadros em um ‘museu a céu aberto’, em frente ao Masp. Com a pandemia e o isolamento social, Srur voltou-se para o projeto de forma mais intensa já que os projetos de intervenções urbanas foram adiados. Ele desenvolveu a técnica para manipular os plásticos inspirado nas garrafas de areia do artesanato nordestino, criando ferramentas para trabalhar o plástico sobre uma caixa de madeira como suporte da obra. “Faço a manipulação para dar a forma”, explica sobre o processo que exige tempo e paciência. Com os fragmentos ele recria as pinturas famosas de artistas Leonardo da Vinci, Edvard Munch, Van Gogh e Monet, por exemplo.
Artista-empreendedor
“Entendo o artista como um indivíduo que acredita na livre expressão, se dedica a criar uma produção que vai gerar inquietação no expectador”, fala sobre o papel do artista, contando que sua obra foi amadurecendo e ganhando sentido político ao longo do caminho. Formado na Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) onde teve aulas com o artista Nelson Leirner e o fotógrafo Eduardo Brandão, o paulistano iniciou sua trajetória na pintura nos anos 1990 e trilhou um caminho institucional no campo da arte. No portfólio, alguns prêmios como o Prêmio Michelângelo de Pintura Contemporânea no Centro Cultural de São Paulo (1996), Prêmio Bolsa de Estudo na Anual de Artes da FAAP (1997), Prêmio Salão de Arte Contemporânea de São Bernardo do Campo (2002), Prêmio na 9ª Bienal de Santos (2004) e Prêmio Revelação de Artes Plásticas no Museu de Arte Contemporânea de Americana (2003). Participou de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e na Suiça, Inglaterra, Eslovaquia, Alemanha, Espanha, Holanda e Croácia, e foi convidado para a Bienal de Havana, em Cuba.
Nos anos 2000, começa a pesquisar sobre o uso do espaço público para desenvolver instalações urbanas. Decide sair do circuito oficial e inicia uma trajetória que o coloca como um artista-empreendedor. “São poucas as oportunidades dentro do circuito tradicional da arte, propus um caminho alternativo que deu certo, essa também é uma decisão política”, afirma. Ele diz ainda que o artista tem que ter coragem para sair desse contexto da arte para expandir sua comunicação com o público.
Sua primeira intervenção urbana aconteceu no Museu de Arte de Santa Catarina, em 2002, quando propôs instalar barracas de camping no lado externo do museu. “Acampamento dos Anjos” ganhou o prêmio aquisição no 8º Salão Nacional Victor Meirelles do MASC e faz parte do acervo do museu. A obra foi exibida também na fachada do maior hospital abandonado da América do Sul, em São Paulo (2004), no espaço público de Paris (2005) e ocupa a arquitetura de edifícios seculares na cidade francesa de Metz (2005).
Para preservar o artista Eduardo Srur, criou a empresa Attack especializada na gestão de projetos de intervenções urbanas, sediada na cidade de São Paulo. São vários modelos de negócios para concretizar uma ideia que se transforma numa arte pública. “Nunca foi fácil vender arte, meu trabalho é conceitual, vendo uma ideia, depois ela acontece”, enfatiza. Os projetos são patrocinados, comissionados ou próprios como a performance política “A Arte Salva”, realizada em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, com a participação de dezenas de pessoas que lançaram 360 boias salva-vidas no espelho d’água em frente ao parlamento.
“A cidade é a galeria”
“A cidade é a galeria” diz muito sobre seu trabalho e pode ser entendida como uma síntese da sua produção realizada no espaço público nos últimos anos e pelo qual ficou conhecido mundo afora. A ocupação e o direito à cidade são pautas contemporâneas com as quais Srur lida a partir de sua produção, questiona e lança provocações ao público, levando para o espaço público temas que tem como principal foco o meio-ambiente e a metrópole.
Em São Paulo, realizou diversas intervenções urbanas de grande escala na paisagem da cidade, apropriando-se de pontes e viadutos, rios poluídos e represas, parques públicos e terrenos baldios. Instala dezenas de caiaques tripulados por manequins de plástico nas poluídas águas do rio Pinheiros; compõe esculturas na forma de garrafas PETS gigantes nas margens do rio Tietê e interfere nos monumentos com coletes salva-vidas; constrói um labirinto gigante de resíduos sólidos no parque Ibirapuera. Provocador, em 2013, ocupa o centro da cidade com “Farol”, uma instalação com milhares de ratos no Vale do Anhangabaú.
Suas obras se utilizam do espaço público para chamar a atenção para questões ambientais e para o cotidiano nas metrópoles, sempre com o objetivo de ampliar a presença da arte na sociedade e aproximá-la da vida das pessoas. Atualmente, São Paulo recebe exposição permanente com mais de 20 obras do artista que ocupam diferentes pontos da zona Sul e permitem a visitação gratuita do público. As instalações, todas em grande escala, apresentam diversas técnicas e materiais como metal, madeira, fibra, plástico, tinta esmalte e tinta acrílica.
A relação com a própria cidade e o público estimula o artista a refletir sobre sua própria produção quando as respostas o surpreendem. Ele cita a intervenção “Caiaque” sobre as poluídas águas do rio Pinheiros, em São Paulo. A ideia era recriar as atividades de remo promovidas pelos clubes paulistanos até a década de 1920. No entanto, na última semana de exposição, uma imensa ilha de lixo encalhou os caiaques e alterou a composição da obra, provocando uma nova camada de leitura sobre a proposição inicial. “As pessoas me perguntavam como eu havia feito aquilo, e eu disse ‘foram vocês, esse lixo é da população’”, conclui.