Cidades são a materialização da capacidade do homem para produzir ambientes que lhe sejam favoráveis. Estima-se que até 2050, mais de 70% da população humana viverá no meio urbano e não mais no meio rural. As cidades vêm se consolidando como o habitat “natural”, construído pelo homem e para o homem. O modo como ela é construída e, principalmente, o modo como é apropriada é reflexo tanto da sociedade em que está inserida, quanto das possibilidades que são dadas a seus cidadãos a partir das características de seu espaço urbano. E é esse espaço urbano, o “vazio” dentre os cheios delimitados pelas edificações, que permite a vivência social da população. Esta é a característica intrínseca à cidade como habitat humano, sendo que sua qualidade afeta diretamente a qualidade de vida de seus cidadãos.
A sociedade contemporânea ainda herda a rotina de prazos, horários e intensa carga de trabalho da era industrial. Essa herança nos traz uma rotina automatizada no espaço urbano. Sequer prestamos atenção no caminho que fazemos de casa para o trabalho, simplesmente somos levados por nossos pés, que já sabem o rumo certo. Essa caminhada, que poderia ser rica em observações do nosso entorno, relações com o próximo e descobertas, é muitas vezes um caminho vazio. Quando passamos por lugares que nos atraem e que poderiam nos despertar a vontade de parar, surgem os “mas…”: “mas é perigoso”; “mas falta iluminação”; “mas parece abandonado”; “mas não tem onde sentar”; “mas parece tão sujo”; “mas falta tempo”; e assim, somos cada vez mais levados a não mais viver a cidade, mudamos nossos espaços de lazer para espaços fechados eprivados, que nos passam a sensação de segurança, nos afastamos do espaço público, nos afastamos da cidade, e nos afastamos do outro.
Os cidadãos e sua vivência urbana são a peça chave para o bom funcionamento de uma cidade, para a perpetuação de sua história e preservação de seu patrimônio. É nas ruas onde acontece a conversa mais íntima entre a cidade e os seus usuários, onde nos reconhecemos como parte daquela cidade, de sua história e vice versa.
Atualmente essa conversa está interrompida, confusa, com palavras não ditas e mal entendidos, por isso é fundamental que o planejamento das cidades retome o seu objetivo mais importante. As cidades devem ser pensadas tendo como foco os seus usuários: as pessoas. Pensar a qualidade espacial e vitalidade dos espaços urbanos é o que nos move como arquitetas e urbanistas. Sonhamos com cidades vivas e saudáveis que possam abrigar a vida social de forma plena. Para isso nos colocamos como agentes de transformação do meio urbano, pensando e agindo para que a cidade alcance todo seu potencial de abrigo humano.
E para começar a agir, iniciamos o projeto [#estarnarua], que surge da vontade de compartilhar com você, que vive correndo de um lado pro outro, as potencialidades que nós vemos nesses lugares da cidade e como pensamos que poderíamos agregar características positivas. Assim esses espaços poderiam chamar a atenção de todos, gerando uma maior vitalidade nas nossas cidades. A ideia é provocar. Provocar a reflexão sobre o que é o espaço urbano; provocar a criatividade para trabalhar com a realidade existente; provocar uma transformação na cidade em direção à nossa tão imaginada “cidade ideal”.
Como pretendemos fazer isso? Duas vezes por mês vamos tirar uma tarde para ir em algum cantinho da cidade e ali abordaremos o exercício a partir do método: pense, produza e faça! Ou seja, é chegar, olhar, sentir e… mão na massa! Fazer surgir uma proposta de transformação desse espaço, da forma mais simples e rápida possível, trabalhando com o que existe no lugar escolhido para potencializá-lo de alguma forma. No próximo passo, voltamos ao Ateliê e resumimos tudo isso em uma linguagem gráfica que expresse nossas ideias para compartilhar com vocês. Gostaram? Veio algum lugar em sua mente e deu vontade de pensar a cidade junto com a gente? Fique atento à programação no nosso site.
#1 – ESCADARIA DA UBRO
A União Beneficente Recreativa Operária, UBRO, foi uma entidade responsável por organizar eventos artísticos produzidos por e para a classe operária florianopolitana entre as décadas de 1930 e 1950, tendo sua sede na edificação hoje conhecida como Teatro da UBRO. Datada da década de 1910, esta edificação fica situada numa das antigas escadarias que ligavam o centro à região das chácaras, na parte alta da cidade. Após a dissolução do grupo teatral que mantinha a edificação, o espaço permaneceu fechado por mais de 40 anos, sendo reinaugurado apenas em 2001, pela Fundação Franklin Cascaes.
Pensando nisso o primeiro #estarnarua foi na Escadaria do Teatro da UBRO, lugar de importância histórica e cultural para a cidade, mas que, seu espaço urbano deixa a desejar. Sendo hoje basicamente utilizado como passagem.
O objetivo principal dessa intervenção é promover esse espaço urbano como palco de acontecimentos e do encontro, trazendo a cultura e os espetáculos para fora da edificação do teatro. A partir da continuidade dos degraus da escadaria existente criamos novas arquibancadas em recuos que hoje são canteiros. Propomos um projeto paisagístico para marcar o espaço visualmente e criar áreas de sombra para os dias quentes. Uma característica do espaço atual, que está fortemente associada a sua falta de vitalidade, é a relação inexistente das fachadas que cercam a escadaria com a mesma, devido ao tipo uso que ocorre hoje nestas edificações. Acreditamos que a presença de fachadas ativas, com estabelecimentos que possam se apropriar desse espaço como comércios e cafeterias, seria primordial para garantir uma maior vida urbana no local.
#2 – VAZIO NA RUA ANITA GARIBALDI
A Rua Anita Garibaldi, uma das mais antigas ligações entre a área da Catedral e a Avenida Mauro Ramos, passou por um processo de demolição de edificações antigas e construção de novos prédios verticalizados, concentrados principalmente no trecho entre a Rua dos Ilhéus e a Avenida Hercílio Luz. Estes novos prédios em altura mantiveram a falta de afastamento com relação a rua, característica herdada dos edifícios que os antecederam, o que faz com que esta via se torne um espaço apertado.
Uma das poucas edificações antigas remanescentes foi totalmente destruída em 2015 devido a um incêndio, deixando um vazio no centro da cidade. Vimos nesse espaço a possibilidade de intervir de forma a criar um espaço de respiro para os pedestres, respeitando o alinhamento das fachadas num segundo pavimento, porém mantendo otérreo livre e de uso e públicos.
#3 – RUA BULCÃO VIANA
Por ser a capital do estado, Florianópolis possui uma grande quantidade de órgãos governamentais: fóruns, tribunais, Assembleia Legislativa. Estes órgãos concentram-se próximos uns aos outros no centro da cidade, em uma região mais afastada do centro histórico.
Devido ao contexto em que foram construídas, estas edificações foram dispostas de forma a desvalorizarem a relação das pessoas com o espaço público, fechando os olhos para rua, criando sensação de insegurança.Na rua Bulcão Viana, entre o Instituto Estadual de Educação e o Tribunal de Contas do estado, a falta de qualificação do espaço é visível. Apesar do grande fluxo de pedestres, a calçada é um espaço frio e inseguro, que não desperta o desejo de estar. A proposta neste local é a implantação de mobiliário dinâmico, que instigue o pedestre a demorar-se, como uma praça linear.
#4 – EDIFÍCIO METROPOLITAN
A cidade está cheia de espaços entre o público e o privado. Geralmente, estes espaços são ociosos, e não contemplam o meio urbano em que estão inseridos. Esse é o caso da frente do edifício Metropolitan, na rua Esteves Júnior, próximo à padaria Padeiro de Sevilha.
Aqui, utilizamos o local, hoje um vazio em frente ao comércio existente no térreo, como um espaço de estar e lazer para apoiar os ricos usos ao redor desse projeto. Aproveitando o grande movimento de pedestres nessa rua, elevamos a via para o nível das calçadas, dando prioridade e mais segurança às pessoas, que hoje possuem uma calçada bastante apertada.
#5 – FUNDOS DA IGREJA DO ROSÁRIO
É possível que espaços urbanos pensados para possibilitar o estar das pessoas acabem não exercendo o seu maior potencial. Isso pode ocorrer por diversos motivos, um deles é a sua localização e o fluxo de pessoas no entorno. Aqui no centro de Florianópolis, nos fundos da Igreja Nossa Senhora do Rosário, existe uma rua sem saída com a predominância de serviços e residências. No passeio existente, que é maior do que a maioria das calçadas no centro de Florianópolis, estão dispostos alguns bancos e mesas de xadrez. Infelizmente, devido ao tipo de uso do entorno, estes não são utilizados como ocorre na praça XV, na frente da catedral e na rua Felipe Schmidt.
Visitando a área, percebemos que este fim de rua é utilizado como uma área de espera, onde pessoas estacionam seus carros e neles permanecem, a espera de seus familiares e amigos. A proposta é adotar este uso do espaço, estimulando estas pessoas a descerem de seus carros, com um mobiliário flexível que proporcione a apropriação de diversos modos.
Assim surgiu o nosso módulo de mobiliário urbano que integra banco, mesa e floreira. Sobre os módulos reestruturamos o pergolado existente e inserimos dois elementos novos: um banheiro público e um espelho d’água. É sabida a necessidade de mais banheiros públicos pela cidade, principalmente na região central que conta com um grande número de pessoas em situação de rua.
O Ateliê URBE
Formado em 2015 por sete jovens arquitetas, URBE é um ateliê de arquitetura que desenvolve projetos para transformar a qualidade de vida urbana e social. Trabalhamos com uma arquitetura integral, tanto para indivíduos em âmbito privado quanto em convívio social. Nosso ateliê é um espaço livre para a construção e o aprendizado coletivo. Acreditamos que a arquitetura está intimamente ligada ao local onde ela se insere e que o espaço urbano oferece possibilidades infinitas. Buscamos estudar, experimentar e descobrir essas possibilidades, expondo a relação íntima e necessária entre o solo privado e o público.